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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

PROMETEU E EPIMETEU

 

 

     De acordo com a bíblia e segundo o livro do Gênesis, Deus criou o primeiro homem, Adão, a partir do barro. Essa narrativa simboliza que o ser humano é constituído de elementos da terra, portanto, Adão foi o primeiro homem destinado a proteger, zelar e cuidar da terra. Depois, a partir da costela de Adão, Deus criou Eva, para ser sua companheira. Na mitologia grega também há uma narrativa sobre a criação do homem, levando-se em consideração que na Grécia, tanto o homem quanto a mulher foram feitos de barro. Este mito refere-se aos Titãs Prometeu e Epimeteu.

      Narra a história, que Prometeu e Epimeteu foram encarregados por Zeus (principal deus do Olimpo), para criarem os seres vivos e lhes distribuir suas qualidades. Prometeu é aquele que pensa antes de agir, é o pré-pensador, o que olha para o futuro, segundo a mitologia grega, foi ele quem criou os seres vivos a partir da argila, e a deusa Atena deu o sopro de vida a esses novos seres. Epimeteu é o que age para depois pensar, é o pós-pensador, o que olha para o passado, ele ficou com a responsabilidade de conceder um dom específico a cada ser vivo.

     Porém, com pouca atenção e totalmente despreocupado, Epimeteu, que agia antes de pensar, distribuiu os atributos a todos os animais, de forma que, o homem era o último dessa fila, e quando chegou a sua vez, o Titã já havia distribuído todos os dons divinos. Isto significa dizer que, além de ser um dos mais fracos animais, o homem ainda ficaria à mercê das vicissitudes e perigos da natureza. Entretanto, para resolver este problema, Prometeu, o que pensa antes de agir, subiu ao Olimpo, usurpou o fogo dos deuses, e em seguida, o presenteou aos indefesos animais racionais.

     Com essa atitude, Prometeu concede ao homem, a capacidade de se proteger e de progredir a partir do conhecimento e das artes. Diferentemente da Bíblia, quando Adão e Eva, por intervenção da serpente, são castigados porque comeram o fruto da árvore proibida, a árvore do conhecimento. No mito grego, é o Titã, o semideus, que intercede e repassa o conhecimento aos próprios homens. Assim, Prometeu concede a capacidade do homem se proteger e de progredir a partir do conhecimento e das artes, dominar a natureza e a si mesmo.

     Por outro lado, Zeus, o maior dos deuses, ficou enfurecido com os humanos e com Prometeu. Sendo assim, o acorrentou a um rochedo no Cáucaso, onde uma águia era enviada todos os dias para devorar seu fígado. Como Prometeu era imortal, seu fígado se regenerava durante a noite, garantindo assim o sofrimento perpétuo. Zeus também ordenou que Hefesto, moldasse da terra, a primeira mulher, Pandora, que significa, “a que tudo dá”, “a que tudo possui” e “a que tudo tira”. Epimeteu se apaixonou perdidamente e se casou com Pandora, que abriu a caixa e soltou todos os males do mundo para os homens, ficando no recipiente, apenas a esperança, como bálsamo para a angústia dos homens.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

VIVA O CÍRIO

 


     No teatro grego antigo havia a organização de procissões, que se tornaram muito mais religiosas do que profanas. Essas procissões tinham caráter comum, onde todos os celebrantes se juntavam tendo à frente jovens que cantavam um hino improvisado, chamado “ditirambo”, e assim giravam em torno do altar do deus, agradecendo pela colheita da uva e pelo sexo que significava a fertilidade da vida. E foi exatamente desse coro, do contraste entre o espírito Dionisíaco e Apolíneo que nasceram a Tragédia e a Comédia. A tragédia tinha como principais características o terror e a piedade que despertava no público. Era constituída de cinco atos e voltava-se para o resgate da mitologia grega, com seus deuses, heróis e feitos. A comédia era dividida em duas partes com um intervalo. Tratava dos homens comuns e de sua vida cotidiana.

     Em seguida o coro separou-se do recitador, nesse momento crucial da história do teatro havia nascido o primeiro ator. Contudo, na procissão já se podia constatar três artes: o canto, a dança e a atuação. Nesse caso, à frente vinha o “Corifeu” – de onde surge a palavra Coro – vestido com pele de bode. Consequentemente todo o resto do grupo respondia ao ditirambo, atuando como um verdadeiro balé litúrgico, numa fusão do trágico e do cômico. Essa narrativa cantada era sempre feita em terceira pessoa.

     E assim constituiu-se a Tragédia: o ator e o coro se respondem cantando, em seguida o ator fala e o coro canta e posteriormente o ator dialoga com o Corifeu, representante do coro. Vale salientar que nesse momento embrionário da Tragédia não havia atos nem intervalos, sendo a mesma, composta de partes dialogadas e partes faladas.

     Como muitas festividades que se conhece de povos antigos e contemporâneos, o Círio de Nazaré se insere nesse rol em que seu significado faz parte de uma comunidade que se debruça a louvar seu Deus. Neste caso, a Virgem de Nazaré. E passa a agradecer as lutas, conquistas e promessas alcançadas ao longo do tempo que se passou. Inclusive, e principalmente à vida. Agradecemos principalmente por estarmos vivos. E semelhantemente acontece no Círio de Nazaré, quando todos os anos, numa determinada época, o povo se reúne para louvar a sua Santa (Deusa) Virgem de Nazaré. É interessante saber que apesar da distância cronológica, momentos semelhantes existem entre essas duas manifestações religiosas, como por exemplo, o vigário assumindo o lugar do Corifeu, que, quando fala uma estrofe de uma oração, automaticamente o povo responde, representando nessa ocasião, o coro.

      Manifestações como estas, denota a declaração antropológica de que pertencemos àquele ou a este grupo ou comunidade. É nessa grande homenagem à nossa Senhora de Nazaré que uma multidão vai às ruas para agradecer à Santa ou para lhe ofertar promessas, muitas vezes em troca do sonho de galgar uma casa própria. E é nessa relação de fé e de caridade, que muitas vezes esses sonhos se realizam. Nesse caso, cria-se um elo muito forte, denso e emotivo em relação à imagem da Santa Virgem de Nazaré, que traz não só paz, mas que também serve como terapia e cura para muita gente. Com os atropelos da sociedade contemporânea que, na ânsia de enriquecer de qualquer forma, impõe cotidianamente na cabeça das pessoas a necessidade do consumo desenfreado. E esse não é o caminho. Portanto, apelar para a Virgem de Nazaré é uma boa causa e faz bem à saúde e à alma.   

 

 

 

domingo, 5 de outubro de 2025

XXI MOSTRA DE EXPERIMENTOS

 


     Nos seus dois primeiros anos, o Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Amapá, promovia dois eventos: a Semana de Teatro, no primeiro semestre, que era dedicada ao público acadêmico; e o Seminário Científico em Artes Cênicas do Amapá, no segundo semestre, que era um evento aberto para a comunidade em geral. Nos anos de 2014 e 2015, os eventos se procederam dessa maneira. A partir de 2016, com a contratação de novos professores, foi criado novo sistema, que fez surgir a Mostra de Experimentos, à qual, passou a acontecer sempre no final de cada semestre.

     Nessas últimas duas semanas do encerramento do semestre 2025.1, aconteceu a XXI Mostra de Experimentos do Curso de Teatro da UNIFAP. Essa Mostra de Experimentos é de fundamental importância para o referido curso, para os acadêmicos, como também para a comunidade em geral. São espetáculos baseados em estudos teóricos e práticos, resultados finais das disciplinas, cujo acesso aos mesmos, é totalmente gratuito. Salientando que grande parte da programação acontece no Departamento de Letras e Artes da UNIFAP. Cada espetáculo revela o processo de estudos e discussões teóricas como fundamentação para se colocar em prática todo o aprendizado do semestre.

     Cada mostra que acontece a cada final de semestre, traz consigo, trabalhos pedagógicos de professores Doutores, tendo como ponto de partida estudos, reflexões e análises fundamentadas em historiadores do teatro, encenadores, filósofos, e estudiosos que contribuíram com o fazer teatral ao longo da história do teatro. Por outro lado, a partir das disciplinas práticas, todos os exercícios são direcionados para a idealização e criação dos espetáculos, que se revelam como apoio para o futuro profissional das artes cênicas, o qual, poderá assumir o exercício da função no território nacional, tanto na educação ou como produtores culturais.

     O objetivo deste processo, é um trabalho que envolve a criatividade, a pesquisa, a educação e o conhecimento do seu próprio corpo, a socialização, criação artística e estética, o conhecimento técnico, a preparação de atores/professores, envolvendo todo o processo de montagem de uma obra cênica, com perspectivas fundamentadas na teoria teatral e pesquisa artística. O resultado final faz parte de um grande laboratório traçado durante cada semestre letivo, e com isso, ganha os professores, os acadêmicos, a universidade, e o público que prestigia esses momentos sui generis, no final de cada semestre.

     Esta peregrinação que começa no início do semestre e se consolida nas apresentações no término das aulas, mais parece o caminho para Elêusis, que, como verdadeiros mystai, os acadêmicos de teatro são iniciados nos mistérios dionisíacos, os rituais religiosos e secretos dedicados ao deus Dioniso. Importante frisar que todo esse processo tem o objetivo comum de preparar o futuro profissional das artes cênicas. A única coisa que se precisa para fazer teatro, é a vontade de fazer teatro, mas, com pesquisa, discussão e estudos aprofundados, certamente, favorece a criação cênica no sentido estético e global, além de preparar o acadêmico para o breve futuro que o espera, com a certeza de estar preparado para desenvolver suas habilidades no território nacional.

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

CARACTERÍSTICAS DO TEATRO MUNICIPAL

 


     Há vestígios de um pequeno teatro construído de madeira, em 1775, na Vila de São José de Macapá, quando da visita do Governador da Província do Grão-Pará às terras tucujus, às quais pertenciam ao Grão-Pará. Outro importante teatro desta cidade surgiu com a implantação do Território Federal do Amapá, mais conhecido como Cineteatro Territorial, e foi inaugurado em 22 de julho de 1944, pelo então Governador Janary Gentil Nunes. Em 1990, inaugura-se o Teatro das Bacabeiras, o qual, encontra-se inativo e pertencente ao Governo do Estado do Amapá. Já o primeiro teatro particular, é fundado em 14 de julho de 1988, conhecido como Teatro Marco Zero.

      Apesar dos que já existiram, de fato, pode-se considerá-lo como Teatro Municipal de Macapá, visto que, desta vez, foi a própria administração municipal que o idealizou, o construiu e o inaugurou. O que o tornou o primeiro Teatro do Município de Macapá, que é de suma importância para a arte em geral, e principalmente para os artistas do município. Portanto, identificarei e caracterizarei o referido edifício teatral, enfocando seu valor como mais um espaço físico para artistas das artes cênicas e de outras áreas da arte. Iniciando por questões técnicas da própria edificação, percebe-se que sua estrutura física se encaixa num teatro experimental.

     Teatro Experimental, em função das possibilidades do uso da referida casa: pode receber espetáculo como teatro de arena; e, apesar de suas deficiências, como teatro à italiana, e ainda, como cinema. É um teatro experimental Multiuso. Em relação ao uso como teatro de arena, as cadeiras centrais são removíveis, porém em relação ao uso do palco à italiana apresenta algumas dificuldades físicas: primeiro, pela pequena largura entre a ribalta e a parede de fundo, deixando pouco espaço para a rotunda que fica colada na parede de trás, seguindo do centro baixo para o centro alto, dificultando a movimentação dos atores nas coxias. Em função disso, os personagens terão que se submeterem a entrar e sair pelo mesmo lado do palco. Desta forma, o palco italiano está mais para auditório do que teatro. Entendendo-se que, todo teatro pode ser auditório, mas nem todo auditório pode ser teatro.

     Outra questão fundamental é a ausência do espaço aberto acima do palco, mais conhecido como caixa do palco, onde se monta uma estrutura de ferro, conhecida como urdimento, que serve de suporte para os equipamentos cênicos, onde se instala parte da iluminação e varas movíveis para subir e descer cenários. Aliás, em relação à iluminação, a mesma, está muito a desejar e fora do padrão, terá que ser adaptada, tanto para o teatro de arena como para o teatro à italiana. Neste caso, é preciso elaborar um projeto de iluminação para teatro, para no futuro se fazer a aquisição deste aparato. Isto vale tanto para o palco italiano como também para o palco de arena. Os espaços que deveriam ser camarotes, mais parecem galerias de uma assembleia de deputados ou câmara de vereadores. A localização proposta dos assentos nesses espaços, em muito dificultam a visibilidade do público e o deleite do espetáculo. Esclarecendo que esses detalhes, aos poucos, poderão ser resolvidos, ao longo do tempo, portanto, é um espaço que inicia um novo ciclo das artes e do teatro no município de Macapá.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

TEATRO MUNICIPAL??

 


 

     Há mais de 30 anos que venho clamando por um teatro de bolso na cidade de Macapá e sobre esse tema, já escrevi vários artigos ao longo de mais de três décadas. Sob o eclipse lunar do dia 08, e o nascer do sol nas manhãs de setembro, foi inaugurado nesta sexta-feira, 19/09/2025, o Teatro Municipal de Macapá. Há alguns meses atrás eu havia escrito: “em breve teremos mais um espaço teatral na cidade, desta vez o Teatro Municipal de Macapá, o qual está sendo concluído e está situado na convergência da Avenida FAB e Rua Cândido Mendes, no centro da cidade. Este edifício teatral possui 358 lugares. ”  Mas, isso já é passado, tendo em vista que o fato foi concretizado pela Prefeitura Municipal de Macapá.

     Na realidade, a inauguração desse edifício teatral, nos remete a perspectivas profícuas futuras, para a classe teatral, não só do município, como também, do Estado do Amapá. Este prédio reflete demasiada motivação para os artistas das artes cênicas e para muitos jovens que na atualidade estão seguindo o caminho das artes, e se faz extremamente necessário, tendo em vista que a cidade já possui cursos superiores, de teatro, música e artes visuais. E o teatro por ser uma arte de grupo, envolve todos os gêneros artísticos. Sabe-se que o projeto foi colocado no papel e seu edifício já foi concretizado, portanto, resta saber como será a política cultural de administração do mesmo.

     Acredito que seja uma administração que propicie o acesso aos mais diversificados grupos que trabalham com artes cênicas em nossa Estado. Uma política cultural que motive também a criação de novos grupos de teatro, principalmente nas escolas da rede municipal de ensino, visto que é principalmente na escola que surge o novo cidadão. Tais encaminhamentos viriam a dar cara nova às artes cênicas em nosso município, cativando os jovens, criando uma nova mentalidade e contribuindo para o desenvolvimento sócio cultural de nossa sociedade. Sem esquecer, que os órgãos de cultura em nível federal, estadual e municipal, deveriam contribuir com projetos voltados para o desenvolvimento das artes cênicas como um todo, em nosso Estado.

     No entanto, ouvi em conversas com colegas da área das artes cênicas um fervoroso debate que surgiu recentemente com o seguinte tema: qual nome teria o referido edifício teatral? Ora! Diante dessa questão, relaciono aqui, abundantes nomes de pessoas que dedicaram suas vidas ao teatro amapaense: Prof. Guilherme Jarbas; Expedito Cunha Ferro, o famoso 91; Aracy Miranda de Mont’Alverne, Honorinha Banhos, Professora Risalva Amaral, Profa. Zaide Soledade, Prof. Antônio Munhoz, Profa. Creusa Bordalo, Mário Quirino, Deusarina Souza, Amélia Borges, Areolina Moraes, Oseas Marques, Cláudio Faria.

     Seguindo esta sequência, teríamos: Papaléo Paes, Reinaldo Coelho, Jorge Chaves, Mário Chaves, Alberto Chaves, Raimundo Barata, Elizete Aymoré, Araújo Filho, Ida Aymoré, Vilela Monteiro, Nazí Gomes, Ivaldo Veras, Ester Virgulino. Hilkias Araújo, Hodias Araújo, Consolação Côrte, Bi Trindade, Carlos Lobato, Nazaré Trindade, Eduardo Canto, Juvenal Canto, Osvaldo Simões, Álvaro Braga, Sebástian Campos, Carlos Lima, Mestre Guiga, entre outros. Mas, frente à tantas dúvidas, preferiria que o referido prédio fosse denominado de TEATRO MUNICIPAL DE MACAPÁ, que além de dar maior credibilidade, conota universalidade, globalidade, coletividade, e eleva o nome do município, revelando sua preocupação com a cultura local. Em relação às homenagens, as mesmas, poderiam ser distribuídas nas próprias salas do complexo do edifício. Isto sim! Cada sala poderia ser identificada em homenagem àqueles que doaram a vida em prol do teatro do amapaense.

terça-feira, 16 de setembro de 2025

TERREIRO URBANO

 

  

     Na última segunda-feira, mais um espetáculo foi apresentado no Teatro Marco Zero, desta vez, a Cia Teatral Treme Terra, com a peça teatral intitulada “Terreiro Urbano”. A referida companhia foi fundada em 2006, e tem sua origem no Bairro Rio Pequeno, na periferia da zona oeste de São Paulo. É uma associação que se volta para o estudo e pesquisas da cultura de origem afrodescendente e relaciona seu trabalho principalmente com a dança negra contemporânea. O grupo mira um olhar para a ancestralidade africana, à qual está intrinsecamente enraizada nos costumes do nosso povo, e sua influência cultural no Brasil desde o período de sua colonização.

     Esses vestígios podem-se observar no próprio site da companhia, quando afirma que seu trabalho, “... está calcado nos pilares de uma dança de motriz africana que vem se construindo no percurso da diáspora negra no Brasil, que ressignifica códigos, vocabulários e estéticas que partem das Danças dos Orixás, Capoeira, Expressão Negra e sua intersecção com o tambor, bem como, outras ferramentas artístico-pedagógicas que auxiliam na expansão da consciência corporal, histórica e política”. Com seu objetivo definido, a companhia Treme Terra, traz em seus trabalhos aspectos culturais muito mais significativos, do que se pode perceber em simples palavras escritas.

     Está claro na ação da mise en scène, a grande preocupação em termos de pesquisa, teórica, cênica e corporal. Pode-se considerar um espetáculo de dança, mas, muito além disso, é uma encenação ancestral, antropológica e cheia de brasilidade, com resistentes raízes afrodescendentes. Por sua vez, a sonoplastia, com fundamentos em letras, ritmos e instrumentos profundamente vinculados à cultura africana, conota a resiliência, energia e resistência da etnia negra, confrontando com o racismo estrutural solidificado em nosso país, nos dias hodiernos. Tendo a música como base para a dança negra contemporânea, o que se torna mais perceptível e palpável, nesta apresentação, é o profundo olhar para si mesmo, a partir da expressividade extensiva do corpo.

     O que a encenação busca comunicar ao público em geral e, principalmente aos afrodescentes que ainda não conseguiram adquirir a consciência de sua importância social e ancestral, resume-se na antiga frase do Sócrates, quando diz: conhece-te a ti mesmo. Além de ter um elenco especificamente afrodescendente, o espetáculo se apoia principalmente na música ligada à ritmos africanos, criando quadros específicos a partir do gênero e sentimentos que cada música nos deseja comunicar. Sem texto definido, os quadros vão se desenvolvendo pari passu com a dança. Neste sentido, a música se torna um dos principais vetores do espetáculo; é como se fosse o combustível original para o desenrolar dos passos expressivos e corporais dos dançarinos/atores, no palco sagrado do Teatro Marco Zero. 

     Com um foco para a expressão corporal quase desportiva, pelo excesso de uso integral do corpo dos dançarinos, a encenação nos remete à biomecânica, relacionado à questão do domínio do corpo, de Meyerhold; aos exercícios corporais de preparação do ator de Stanislavski; ao teatro da crueldade de Antonin Artaud, focando não no texto, mas na performance física; com a investigação do corpo extra-cotidiano de Eugênio Barba; e ainda com o Método Laban, na perspectiva da complexidade do movimento humano. Este espetáculo, eu recomendo.

 

 

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

TEATRO NAS ESCOLAS

 


     No artigo dessa semana, trago vestígios de atividades teatrais nas escolas do Amapá, principalmente na década de 1970. Período muito conturbado, em função do regime político que se instalara no território nacional. Entende-se que nessa época ainda era evidente o teatro nas escolas e nas igrejas; observando aqui, igreja num sentido amplo, envolvendo várias religiões, visto que tanto o catolicismo como o protestantismo, praticavam essa atividade artística no âmbito dos seus espaços físicos e dos seus limites canônicos.

     A Escola Paroquial São José, fomentava aulas de teatro que eram ministradas por padres e freiras. Apesar de direcionarem espetáculos de cunho religiosos, esses se tornaram os principais professores de teatro no Amapá daquele período. Essas atividades aconteciam geralmente no curso primário e ginasial.

     Havia ainda, o “Grupo de Teatro do Colégio Amapaense”, e o “Grupo de Teatro do Santina Riolli”. Na paróquia Jesus de Nazaré, havia o “Grupo de Teatro Avatar”. Em sua maioria e com influência religiosa, esses grupos se dedicavam a montar espetáculos religiosos com temas sobre “Natal”, “Jesus Cristo”, “Dia das Mães”.

     Entre o período de 1968 a 1978, a Rádio Educadora de Macapá, que pertencia à Prelazia de Macapá (atual Diocese), também cedia espaços para radionovelas e para apresentação de peças teatrais, em seu auditório. A referida emissora fundada em 1968, e após dez anos de atividade, em 1978, teve sua programação interditada pela Polícia Federal, num ato em que sua concessão de funcionamento, foi cassada pelo regime militar.

     Nessa época, o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, em muito contribuiu para o desenvolvimento do teatro no Estado do Amapá.  Além da motivação trazia para o Cabo Norte cursos e oficinas na área das artes cênicas. Coronel Ribeiro, defensor ferrenho da educação e das artes, era presidente do Mobral e trazia vários professores de outros estados para ministrarem cursos e oficinas de teatro, como: impostação de voz, interpretação, direção teatral, entre outros cursos. Marizete Ramos veio de Belém, como também, o diretor Luiz Otávio Barata, para ministrar cursos para nossos atores.

     Por outro lado, também havia alguns professores aqui no Estado do Amapá, que também tinham conhecimento e condições de ministrar oficinas de teatro, como a atriz Creusa Bordalo, Padre Mino e o próprio Coronel Ribeiro. O atual Grupo Língua de Trapo, que há mais de 34 anos apresentando a peça “Bar Caboclo”, é resultado de uma dessas oficinas. É um grupo que surgiu praticamente, em função das oficinas produzidas e ministradas pelo MOBRAL.

     

 

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

ORFEU E A MULHER DE LÓ

 

     A história deste mito, começa assim: Orfeu era um músico talentoso que desceu ao submundo grego, para resgatar sua esposa Eurídice, que havia morrido. Chegando lá, com o poder de sua música, ele encantou Hades, que era o rei do submundo, e obteve a permissão para levar Eurídice de volta ao mundo dos vivos, mas, Hades lhe determinou duas condições, a primeira, que reflete a situação cultural da mulher grega, a de que Orfeu iria à frente e Eurídice, atrás, seguindo Orfeu. A segunda condição, foi a de que Orfeu não deveria olhar para trás, até que ambos estivessem fora do submundo. Acontece que, na divisa entre o submundo e o mundo, com muitas dúvidas, Orfeu olhou para trás, e, repentinamente, Eurídice desaparece voltando para o submundo, para sempre.

     Outro mito semelhante, se encontra no livro do Gêneses, no capítulo 19, versículos de 1 a 8, é o caso da mulher de Ló. Ele e sua família, foram avisados para fugir de Sodoma antes que ela fosse destruída por Deus, por causa da maldade que lá estava instalada. O anjo falou: Vai, salva tua vida, não olhes para trás e não pares nos arredores! Esconde-te nas montanhas, para que não sejas destruído”... Todos os membros da família foram instruídos, que durante a fuga, não podiam olhar para trás. Mas, a mulher de Ló, desobedeceu e olhou. Em função disso, foi castigada e transformada numa estátua de sal. O que se percebe nessas duas passagens, tanto na religião grega como na religião cristã, é que a moral da história nos diz que não se deve olhar para trás.

    Ambas as histórias conotam as seguintes questões: a importância da confiança e da obediência aos comandos divinos; o olhar para trás, que simboliza o apego ao passado, a dúvida e a desobediência e suas possíveis consequências. A frase “não olhar parar trás”, revela-se como uma metáfora para a necessidade de seguir em frente, deixando o passado para trás. Assim, o ato de olhar para trás é interpretado como um sinal de apego às coisas materiais e à vida passada. Portanto, o mito de Orfeu e Eurídice e a história da mulher de Ló, retratam um tema central: a proibição de olhar para trás, o que significa dizer que em ambas situações, olhar para trás, resulta em trágicas consequências.

     O que está em jogo, nestas passagens é que está implícito uma ideia patriarcal, dominante e misógina de que a mulher não deve olhar para o passado, como também as demais pessoas. E é assim que, muitas vezes, a história inviabiliza determinadas figuras, cria preconceitos e apagamento da memória feminina e muitas vezes, a ausência de grandes personagens da história. Conota ainda, um desprezo pela desobediência do sexo feminino, semelhante ao que aconteceu com Eva, quando comeu do fruto proibido e que também infringiu a lei de Deus. O interessante é que, na construção dessas histórias, sejam religiosas ou culturais, a mulher sempre é apresentada como um problema e não como uma solução, como por exemplo, o caso de Pandora, que abriu uma caixa e deixou todos os males sair para afligir os homens. A questão é que, as afirmações desses mitos contrariam completamente o conhecimento científico, quando temos que estudar o passado, com a intenção de nos fundamentarmos, para entender o presente e o futuro. Os cânones do conhecimento científico nos dizem que o segredo é exatamente esse, aprender com o passado, para seguir preparado para o futuro.

 


segunda-feira, 25 de agosto de 2025

SÍNDROME RESPIRATÓRIA AGUDA GRAVE

 


     Uma nota musical aguda, trata-se do que se chama popularmente de som fino, mas, na verdade, é uma nota que se refere a um som com frequência mais alta, na escala musical. Já, a nota que o leigo costuma dizer que tem um som grosso, são exatamente as notas mais baixas, na escala musical. O pentagrama ou pauta, que possui um conjunto de cinco linhas horizontais paralelas e quatro espaços, é o lugar da escrita das notas musicais. É a base da notação musical, onde as notas são dispostas para representar a altura e duração do som. E esse sistema musical, que conhecemos hoje, foi criado no século XI, por um monge italiano, conhecido por Guido d’Arezzo. 

     Ele usou um hino s São João Batista, como base para o nome das notas musicais: Ut, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si.  Ele é considerado pessoa de fundamental importância para a notação musical, visto que, deu nome às notas e simplificou o processo de aprendizado, a partir do solfejo. Por outro lado, alguns instrumentos, em função de seus timbres, se encaixam num desses dois polos. Por sua vez, o timbre é a característica que nos permite distinguir um som de outro: alto ou baixo. Instrumentos altos, possuem sons agudos, visto que suas ondas sonoras são de alta frequência e vibram intermitentemente, como exemplo: violino, flauta, clarinete e trompete, já os instrumentos baixos, possuem sons graves, por isso, eles produzem sons com frequências mais baixas, nessa lista, estão o contrabaixo, o trombone, a tuba, o fagote, entre outros.

     Agudo vem do latim, e tem origem no termo “acutus”, que significa afiado, porém, também pode ser usada em outros contextos, como por exemplo, na música, registrando as notas mais altas numa escala musical. Por outro lado, a palavra grave, também se origina do latim “gravis”, que significa pesado, cheio, sério, etc. Refere-se também a um som de baixa frequência, oposto ao som agudo. Portanto, percebe-se que, na música, o som grave está na parte de baixo, e o som agudo está na parte de cima do pentagrama musical. Na música, há como ter uma nota aguda, separada de uma nota grave, como também as duas em uníssono.   

     Frente a isso, como entender a Síndrome Respiratória aguda/grave, de que tanto se fala nos noticiários? Bom, segundo os órgãos de saúde, a síndrome respiratória é considerada aguda, devido ao seu início rápido e duração relativamente curta, sendo que, a característica “aguda”, refere-se à evolução rápida da doença, geralmente com sintomas que se manifestam de forma intensa em curto espaço de tempo. Ao mesmo tempo, que é grave, devido à sua capacidade de causar uma infecção respiratória severa, levando-se a dificuldades respiratórias. Vamos tentar entender... na música, as notas agudas ou altas, possuem uma frequência de vibração maior, enquanto que, as notas graves ou baixas, possuem uma frequência de vibração menor. Entretanto, o que se pode concluir é que a síndrome respiratória é aguda/grave, em vista de que, por um lado, é aguda porque tem duração relativamente curta, é sagaz e pontuda, por outro lado, é grave, devido à sua capacidade de causar uma infecção, comprometendo a oxigenação do sangue, com sentimento pesado, gerando baixa frequência dos batimentos cardíacos.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

TÉCNO PALAFÍTICO

 

 

     Foi na passagem do século XX para o século XXI, que aconteceram determinados fenômenos artísticos de engrandecimento da cultura amapaense, com o surgimento de nova leva de atores e diretores, coletivos, grupos e companhias teatrais, às quais estabeleceram rumos contemporâneos para as artes cênicas no Amapá, insurgindo-se com novas ideias e novos encaminhamentos para o teatro em nosso Estado. Movimento esse que trouxe consigo, ideias inovadoras a partir de seus inéditos agrupamentos, que ao longo do novo século e dessas últimas décadas, continuam a florescer nos dias atuais. E um desses representantes de grande monta, foi a Casa Circo, à qual, surgiu no ano de 2015, sob coordenação de Ana Caroline e Jones Barsou.

     Juntando-se a tudo isso, foi também em função da implantação do Curso de Licenciatura em Teatro na Universidade Federal do Amapá, que a partir de abril de 2018, disponibilizou vários profissionais de teatro que entraram para o mercado de trabalho nas escolas, como também se deu início à uma nova produção relativa aos primeiros espetáculos teatrais, com suporte artísticos e estéticos mais apurados, e pesquisas artísticas com suporte teórico-práticos, relativos às novas montagens teatrais que surgiam naquele momento. E um dos primeiros espetáculos que se elevou com grande influência do Curso de Teatro da UNIFAP, foi A Mulher do Fim do Mundo, com encenação da Companhia Casa Circo. É fato que esta encenação trouxe uma série de elementos interessantes no que diz respeito, principalmente à concepção estética em relação ao teatro amapaense    

     O referido espetáculo foi selecionado para o Amazônia das Artes/SESC, e em 2018 se apresentou em dez municípios da região Norte. Foi o primeiro espetáculo amapaense que conseguiu ser selecionado para um circuito nacional em 2019, quando participou do Projeto Palco Giratório do SESC, e se apresentou em várias capitais do país.    

     Desta vez, a Companhia Casa Circo nos presenteia com mais uma montagem de crítica social, com seu pequeno grande espetáculo, intitulado: Técno Palafítico: Diálogo de Uma Amazônia em Suspensão. A montagem foi apresentada no dia 31 de julho, nas dependências do Departamento de Letras e Artes da Universidade Federal do Amapá. É um musical que põe em xeque uma visão crítica da realidade cotidiana das eternas palafitas que fazem parte intrínseca da vida do homem amazônida, com foco nas ocupações das áreas de resseca em cidades da Amazônia e principalmente para as áreas de resseca invadidas no entorno da cidade de Macapá, capital do Estado do Amapá.

     Com música ao vivo, tendo à frente Gabriel Guimarães no teclado, e um suporte nas chanchadas, teatro de revista, vaudeville, e comédia, o espetáculo de cunho frenético, combina música, dança e diálogo para contar história sobre palafitas, e tem no elenco atrizes como Ana Caroline, Stefhany Borges e Iara Piris, com encenação de Jones Barsou. Portanto, há condições de estender ainda mais o tempo da encenação, acrescentando à conexão crítica e social, cenas e quadros mais picantes como por exemplo, uma pessoa caindo e se ferindo em ponte quebrada; alguém com dificuldade para circular de bicicleta; pessoas pescando no lago poluído e fétido; uma criança que cai na água, a ponto de se afogar; um conserto do cano de água, que está furado; a preocupação e aflição das pessoas, em função do temporal e da subida da água com a chegada do inverno; cenas de pessoas colocando gato nos postes da energisa, entre outras cenas, às quais, poderiam ainda mais, complementar o tempo da encenação além de deixar o espetáculo mais deslumbrante.

domingo, 3 de agosto de 2025

EVOLUÇÃO DA QUADRILHA JUNINA

 

  

 

     A antiga dança da quadrilha, que perdurou basicamente até o início da década de 1990 do século passado, em suas raízes, era completamente diferente das quadrilhas de hoje.  Tem origem na Europa e sua maior influência no Brasil, veio da França. Era uma dança popular que surgiu principalmente no meio rural. Nela, havia uma sequência de passos com várias coreografias, como: a)cumprimento às damas; b)cumprimento aos cavalheiros; c)damas e cavalheiros trocar de lado; d)primeiras marcas ao centro; e)grande passeio; f)trocar de damas; g)trocar de cavalheiros; h)o Túnel; i)caminho da roça; j)olha a cobra; k)é mentira; l)caracol; m)desviar; n)atenção para o serrote; o)coroar damas; p)coroar cavalheiros; q)duas rodas; r)reformar a grande roda; s)despedida, entre outros passos que mudam de acordo com a necessidade da brincadeira. Além de tudo isso, havia a dramatização de um casamento matuto, um legado da Commedia dell’Arte.

     Se torna muito difícil, na atualidade, encontrar alguma comunidade ou grupo que organize uma quadrilha nos moldes antigos. Notadamente, esse tipo de quadrilha está em extinção. Com o passar dos anos, nota-se um hibridismo e a consequente influência de várias culturas. Hoje, pode-se perceber nas atuais quadrilhas juninas, vestígios do frevo, da ciranda; do maracatu; do bumba-meu-boi; nos figurinos, roupas do cancan francês. Na dança atual, o casamento, que era parte fundamental da antiga quadrilha junina, hoje, praticamente não tem mais o mesmo significado dramático de antes. Por sua vez, os passos da antiga quadrilha, se transformaram numa sequência de músicas com coreografias modernas, isso nos remete ao primeiro forró, de 1979, a música Frevo Mulher, que se fundiu com o frevo, de autoria de Zé Ramalho.

     A referida gravação alcançou grande sucesso depois que Amelinha a interpretou no Maracanãzinho num Festival da MPB em 1980. Já o cancan, é uma dança francesa que se tornou muito popular na França, na década de 1840, com sua maior expressividade no cabaré Moulin Rouge, que ainda hoje está em atividade no bairro de Montmartre, em Paris. Sendo que, mais tarde, foi transportada para Londres e Nova Iorque, se tornando uma dança difundida no mundo ocidental. Outro fenômeno que trouxe muita influência para essa hibridização é que, enquanto por um lado, a antiga quadrilha era ensaiada e apresentada por jovens, quando cada bairro tinha sua própria quadrilha e apresentava apenas dentro dos festejos de cada comunidade; fato que mudou completamente, quando as prefeituras instituíram os concursos de quadrilhas, durante os festejos juninos, o que acontece na atualidade em vários locais do território brasileiro, e principalmente no Nordeste.

     Acrescentando a esse fenômeno, as várias bandas que foram surgindo do final da década de 1970 para a década de 1980, e principalmente a partir da década de 1990 quando irão surgir bandas como Mastruz com Leite (1990), Banda Patrulha (1992), Limão com Mel (1993), Cavalo de Pau (1994), Calcinha Preta (1995),  Magníficos (1995), e Aviões do Forró em 2002, entre tantas outras bandas do gênero, às quais, herdaram influências das primeiras gravações de música tendo como mescla forró e frevo, como: Frevo Mulher, de Zé Ramalho, gravada por Amelinha em 1979, Gemedeira, de Robertinho do Recife e Capinan, também gravada por Amelinha, no ano 1980, e ainda, Crina Negra, de Robertinho do Recife, gravada pela Banda Patrulha em 1992. E demais bandas que foram surgindo ao longo dessas décadas, por sua vez, influenciaram as quadrilhas contemporâneas que apresentam geralmente esse gênero e ritmo musical: a combinação forró/frevo.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

GOTAS DE SABERES

 

 

          A primeira vez que visitei Daniel de Rocha e Tina Araújo, na sua residência no Bairro Perpétuo Socorro, percebi no quintal uma espécie de um estranho projeto de um imenso galpão. Nesta conversa de quase três décadas atrás, fui informado pelo jovem casal, de que ali estava a base fundamental de um futuro teatro, o que se tornaria no que conhecemos hoje como: Teatro Marco Zero. O que havia naquele pequeno terreno? A casa, uma grande estrutura de ferro, coberto de telhas, um piso revestido de cimento e, num dos cantos, encostada numa cerca de madeira, uma surrada e velha Kombi.

     E esse era o cenário inicial do sonho desses persistentes artistas..., construir um teatro no quintal de casa, sonho que realmente virou realidade...! Virou realidade com muita luta, perseverança, trabalho, dedicação, e muita paixão. E foi assim que surgiu o Teatro Marco Zero, o qual, já é bastante conhecido no Amapá. Aliás, hoje, único teatro que abre suas portas para os grupos locais, seja de música, de poesia, de dança, todos serão bem recebidos no teatro marco zero: os artistas, os grupos de teatro e o público em geral.

     Como o nosso anfitrião, Teatro das Bacabeiras, está, há bastante tempo hibernando, o único teatro que pode suprir esta necessidade é exatamente o Teatro Marco Zero, que no dia 15 de julho, recebeu a Companhia Arteatro de Roraima, que apresentou o espetáculo “Gotas de Saberes”, o qual, busca socializar para o público, aspectos da ancestralidade dos povos indígenas da etnia Macuxi. Para início de conversa, Gotas de Saberes é um espetáculo que não depende exclusivamente de palco italiano, e esta, é uma boa razão para quem pretende levar sua obra para os mais diversificados e imprevistos espaços cênicos, como também para um grande público.

      Diz-se de um espetáculo voltado para o público infanto-juvenil, é o que está escrito no programa do mesmo, concordo com tal definição, mas, por outro lado, percebo que o referido espetáculo, alcança grande amplitude em termos de que a mensagem que se deseja revelar e enviar ao público, adapta-se para qualquer faixa etária, principalmente para aqueles que necessitam entender e respeitar os povos da floresta. Ao narrar a história do povo originário da etnia Macuxi, o dramaturgo utiliza-se de versos com métricas e rimas, o que dar maior sensação de beleza à peça.

     A aglutinação do texto poético e da encenação em si, somando-se a tudo isso, a desenvoltura das atrizes em cena (Aravis e Silmara Costa), com a incumbência de representar sucessivamente vários personagens; a mise en scène nos lembra o teatro didático de Brecht. Por outro lado, com cenário elucidativo, concentrando a cenografia em dezenas de objetos de cena, além de instrumentos de percussão, dispostos à vista do público, o que de mais relevante e expressivo nos parece, no referido espetáculo, é a sonoplastia ao vivo, e a consequente relação harmônica musical entre os sons dos instrumentos, as vozes e onomatopeias sussurradas pelas atrizes, com o determinado acompanhamento do sonoplasta/ator (Márcio Sergino), que também é parte intrínseca da cena. A peça gira em torno dos quarenta minutos, e isso, gera certa surpresa no público, visto que, imbuído na contemplação dos sons da floresta, quando menos se espera o mesmo finaliza, deixando um gosto de quero mais na plateia. Este espetáculo foi selecionado pela Lei Rouanet Norte de incentivo à cultura.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

SACERDOTISA DA PESQUISA

 

   

    Na minha tenra juventude, eu fazia parte do grupo de jovens da igreja católica, aliás, vivência que me trouxe muito conhecimento teológico como também, minha relação como o divino, além de sinceras e grandes amizades. Cada paróquia tem seu padre ou sacerdote. Naquele período, o padre responsável pela paróquia do lugar chamava-se Padre Antônio Kemps, originário da Europa. Ele veio da Bélgica para uma pequena cidade do interior da Paraíba, com uma grande missão: coordenar a paroquia da cidade. Como um verdadeiro sacerdote, viveu o restante da sua vida naquela pequena cidade, cumprindo o seu dever como religioso e desempenhando suas funções religiosas e rituais sagrados em prol daquela comunidade.

     A palavra sacerdote deriva do latim “sacerdos, dotis”, sendo uma combinação de sacer – de sagrado, e dotis – dote, dom. Significa, aquele que oferece coisas sagradas, como também, está relacionado à função de realizar rituais e oferendas sagradas. Simplificando: são aquelas pessoas que em toda sua vida, se dedicam a um objetivo comum, uma missão, ou algo desse gênero. Com certeza, ao longo do tempo esse termo evoluiu designando várias situações, sendo usado na atualidade sobre quaisquer circunstâncias. Se alguém se dedica diuturnamente em determinada atividade, pode-se dizer, ele é um verdadeiro sacerdote. Isto significa dizer que, dependendo da sua dedicação e empenho em relação ao que você realiza durante sua vida, este fazer também pode ser reconhecido como um sacerdócio.

     E é em função de dedicações como as citadas acima, que venho aqui fazer minha homenagem à arqueóloga e pesquisadora Niède Guidon, a quem defino como sacerdotisa da pesquisa. Ela era professora da Universidade de São Paulo, e em 1963 soube da primeira notícia das pinturas que existiam no sul do Piauí, quando gerenciava uma exposição no Museu Paulista da USP, no qual, ela trabalhava naquele momento. Infelizmente ela não teve a oportunidade de conhecer a região piauiense, tendo em vista que, em função do golpe militar, teve que se exilar na França. Depois de passar vários anos fora do Brasil, somente em 1973, que ela, de férias, conseguiu fazer sua primeira visita a São Raimundo Nonato. Porém, ela criou a Missão Arqueológica Franco-Brasileira, e com apoio do governo francês, em 1978, começou suas primeiras escavações.

     Já em 1979, conseguiu criar o Parque Nacional da Serra da Capivara, abrangendo uma área protegida pela UNESCO. Foi diretora-presidente da Fundação Museu do Homem Americano, também sediado em São Raimundo Nonato. Tornou-se famosa no mundo, com sua tese científica de que o homem se instalou na América do Sul, vindo provavelmente de barco, da África, há mais de trinta e dois mil anos. Como se pode observar, em função de uma vida dedicada às suas pesquisas arqueológicas naquela região, a sacerdotisa Niède Guidon foi a principal responsável pela preservação, desenvolvimento e progresso de São Raimundo Nonato, no Piauí. Deixando esse grande legado, e esse exemplo de sacerdotisa da arqueologia, faleceu em 4 de junho de 2025.  

segunda-feira, 14 de julho de 2025

CAVALO E CAVALEIRA

 


     A música Crina Negra apresenta uma poesia muito sugestiva, a mesma, foi composta por Robertinho do Recife, em homenagem e dedicada à cantora Amelinha, que entre as décadas de 1970 e 1980, era muito famosa e flertada pelos que a rodeavam. Infelizmente, por algum motivo, Amelinha não conseguiu gravar a referida canção. A composição ficou por mais de uma década em banho-maria, quando em 1992, foi gravada pela Banda Patrulha, nas vozes dos intérpretes e vocalistas Leco Maia e Cátia Guima. A referida música já está com 33 anos, mas sempre é sucesso absoluto no período junino.

     Embora, perante os olhos do observador, a arte pareça algo simples e fácil de realizar, aos olhos do artista não é tão corriqueiro assim. Essa questão é fato, principalmente em função da compreensão do leigo sobre a produção artística. Quem assiste a um espetáculo de dança, que apresenta bastante leveza na coreografia dos dançarinos, não imagina, o trabalho, a persistência, o esforço e a dedicação desses artistas que estão entre a arte e o desporto. Da mesma forma, num espetáculo teatral, numa apresentação musical, num vernissage, ou seja, em qualquer área da arte.

     A questão é que, em qualquer área da arte, todo artista realiza um esforço fenomenal, para que sua obra pareça ser natural aos olhos do público, mas, não é bem assim...! Na verdade, são dias e meses de preparação para que o trabalho esteja totalmente pronto para o dia da estreia. Além disso, a arte apresenta um leque amplo de juízo de valor, onde qualquer um terá sua opinião própria perante os valores estéticos que presencia, levando-se em consideração de que o leigo, na maioria dos casos, vai em busca de diversão e entretenimento.

     Outra questão é que, cada obra de arte apresenta sua peculiaridade, sendo que, muitas vezes, o público em geral não consegue discernir o que está implícito na mesma. Portanto, como exemplo, faremos uma rápida análise da letra da música Crina Negra. Iniciaremos pela primeira estrofe, que diz: Meu cavalo é forte, faz mil léguas sem cansar/Na batida dum chicote/No galope a beira-mar/Meu cavalo alazão saiu no clarão da lua/Meu famoso garanhão, cavalgando toda nua. Como se percebe, a letra começa a relatar um sugestivo passeio de uma cavaleira nua, montada no seu alazão. Em seguida, a próxima estrofe descreve o seguinte: Eu sou cavaleira, sou mulher guerreira/Em cima do crina negra, me dá uma tremedeira/Uma suadeira que me faz arrepiar/Uma louca gemedeira, ui-ui-ui ai-ai-ai-ai. Esta estrofe, complementa a primeira, no sentido de propor uma ambiguidade conotativa na relação íntima da cavaleira com o seu cavalo, principalmente com a sensação de suadeira e tremedeira, juntamente com as onomatopeias, ui-ui-ui, ai-ai-ai-ai, alucinadamente ecoadas pela cavaleira.

     Em suma, é uma letra que, metaforicamente, além de assinalar uma possível relação amorosa, ou mesmo uma vivência de prazer e êxtase entre cavaleira e seu cavalo, por outro lado, também reconhece e caracteriza certas habilidades e conquistas por parte do gênero feminino ao longo da história social, como: força e liberdade, conquista do voto, emprego, espaço na política, empoderamento e sensualidade de uma mulher guerreira. É uma música que apresenta uma fusão entre o espírito selvagem da relação da mulher com a natureza, como tanto pregava Dioniso, o deus grego da arte e da liberdade.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

CORPO DE CRISTO

 


     Salve a Companhia Teatro de Arena do Amapá, que no dia 19 de junho, apresentou pela primeira vez, seu novo espetáculo, intitulado Corpo de Cristo. Diferentemente do tradicional, “Uma Cruz Para Jesus”, desta vez, o espetáculo aconteceu no espaço interno da Fortaleza de São José de Macapá. A Companhia Teatro de Arena, como todos sabem, tem uma tradição de montar espetáculos com temas religiosos. Para os que acompanham sua trajetória, basta afirmar que são 46 anos de resistência em relação ao fazer teatral nas terras tucujus. Próximo a completar cinco décadas à frente de sua Companhia Teatral, Amadeu Lobato segue firme como diretor. Não obstante, acredito que já está na hora de se preparar um sucessor para que no futuro seja dado prosseguimento a esse grande e sublime desafio.

     Uma questão sui generis é que Amadeu Lobato transformou seu trabalho num espetáculo ontológico e clássico do Amapá. Agora, uma segunda peça em que não se paga ingresso, onde o acesso é livre para o público em geral, sem discriminação de cor, etnia, religião e classe social. Todos podem assistir ao referido espetáculo. Por outro lado, ele (Amadeu), transformou seu espetáculo numa considerável escola de teatro ao ar livre, visto que significativa parte dos artistas do Amapá se iniciaram nesta escola. Além disso, é um trabalho totalmente inclusivo, gerando integração absoluta de pessoas que possuem necessidades especiais, e que em relação a esse tema, não há qualquer barreira para quem deseja participar dos espetáculos da Cia de Arena.

     No caso, da produção cênica, “Corpo de Cristo”, há professores e alunos do curso de teatro da UNIFAP, que fazem parte do elenco como: Marina Brito, Carla Thaís, Heiron Mascarenhas, Brenda Lobato, Renan Cunha, Giulia Dominike, Laurene Morais, Eliete Galvão, entre outros. Situação que gera substanciais trocas de conhecimento entre os acadêmicos e os demais artistas do elenco. Levando-se em consideração que havia diversos artistas iniciantes em cena, centrarei minhas observações em relação ao próprio tema da peça. Tendo como ponto de partida o título da obra: “O Corpo de Cristo – Ele ressuscitou”, há de se esperar que o enredo dramatúrgico esteja direcionado e evidencie o sofrimento, o martírio, as angústias e os dissabores, pelos quais padecem o próprio corpo de Cristo.

     A cena que mais sensibiliza o público se dá quando Cristo está caído, com o corpo abatido, sem forças de carregar sua cruz, mas está envolto com o total apoio de sua mãe que o consola, sob a tênue leveza da música interpretada por Nathanhe Rogelle. Esta cena específica gerou um silêncio no público presente, e quando os espectadores silenciam completamente, é sinal de que a cena está cumprindo seu objetivo. E essa calma total, ao ver a cena, gera na plateia, respeito, comoção, tristeza, compaixão e terror e, em consequência, a catarse. Portanto, para que esta montagem busque novos indícios de melhoras na mise en scène, com foco dramático no corpo de Cristo, sugiro que a cena da remoção de Cristo da Cruz, seja delicada, com mais sutileza e elegância, e com a presença daqueles que vivenciaram tal fato, como os discípulos José de Arimatéia e Nicodemos, como também, Maria mãe de Jesus, Maria Madalena e Salomé.

     Observo a necessidade de mais duas cenas que poderiam ser introduzidas na referida montagem: primeiro, a cena em que Cristo ressuscitado aparece à Maria Madalena, ela que foi a primeira pessoa que testemunhou a ressureição; primeira pessoa a ver Cristo ressuscitado. A segunda cena, seria sobre São Tomé, o apóstolo incrédulo, que precisava ver para crer, o apóstolo só acreditou da ressurreição do Senhor, depois de tocar a chagas de Cristo. No entanto, ele arrependeu-se amargamente e chorou, ao conferir com seus próprios olhos, as chagas abertas de Cristo. Já a última cena, a ascensão de Cristo aos céus, poderia ser abrilhantada com gelo seco, iluminação mais intensa, fogos de artifício e, se possível, um drone com um foco de luz em elevação incessante.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

SÃO PEDRO E SANTA ANA

 

 

     Embora as festas em homenagem aos Santos, Antônio João e Pedro, se concentrem no mês de junho, entendo que o prenúncio das festas juninas tem início no dia de São José, 19 de março, visto que, esse é o principal dia para a plantação do milho, com vistas à colheita após três meses, já nas proximidades do São João. Aliás, nas culturas remotas, o domínio de se conhecer a relação entre o tempo, a plantação e a colheita, significava alta tecnologia. Essa consciência gerava poder e know-how, entre tribos que ainda não dominavam esse conhecimento. Muitas festas que se conhece em cada cultura, geralmente tem a ver com a produção, colheita, e fartura de uma determinada região, por exemplo, no Nordeste, a produção do milho em junho, como também a colheita da cevada e divulgação da cerveja, na Oktorberfest, em Santa Catarina, entre outras.

     Sendo assim, o dia 13 de junho é dedicado à Santo Antônio, que é conhecido como Santo Casamenteiro. Vale lembrar que, para todos esses Santos, o costume do povo é fazer simpatias para alcançar seus desejos e pedidos. Mas, o momento áureo das festas juninas, acontece efetivamente no dia 24 de junho, dia de São João, que, entre os demais, é o santo mais comemorado. Há quem diga que a festa do ano mais esperada pelo nordestino, é o dia 24 de junho. E ainda temos o dia 29 de junho, quando se comemora o dia de São Pedro. Pedro que era Simão e que Cristo mudou seu nome para Pedro, que deriva de pedra, e Pedro seria a primeira pedra da Igreja de Cristo. Praticamente 30 dias depois da festa de São Pedro, exatamente no dia 26 de julho, comemora-se o dia de Santa Ana, é um dia que também se acende fogueiras, solta-se fogos de artifícios em comemoração à Santa. Aqui fecha-se o ciclo das festas juninas.

     Independentemente de qualquer coisa, é interessante saber que muitas dessas festividades iniciam, por um lado, pelo cristianismo, e por outro, pelo comércio. Portanto, essas datas sempre foram comemoradas por remotas civilizações pagãs, principalmente em função do domínio da cultura de cereais, que era fundamental para que o homem pudesse se fixar em algum lugar e deixar a vida nômade. Cereal, que deriva da Deusa romana Ceres, e que na Grécia era conhecida por Deméter, que era a divindade da agricultura e da fecundidade da terra. O dia de São José, 19, se aproxima do equinócio quando o Sol segue paralelo à linha do equador, e que ocorre entre os dias 20 e 23 de março, o dia de São João, 24, é o dia do solstício de verão para o hemisfério norte, e acontece entre os dias 20 e 24, as populações antigas já comemoravam o Sol Invictus, período de fim do inverno e início do verão.

     O dia de Santa Aurélia comemora-se no dia 25, próximo ao equinócio de setembro, e no solstício de inverno, é quando acontece a festa de Natal. São Cosme e São Damião são celebrados em 26 de setembro. Vale lembrar também, a comemoração do dia de Santa Ana, que acontece em 26 de julho, período que ainda há festividades relacionadas com os santos de junho, época em que há comemorações e queima de fogos. Santa Ana é a padroeira dos mineradores, e não é à toa que a antiga Vila de Madre de Deus, foi denominada pela ICOMI, como cidade de Santana. Já que a ICOMI trabalhava com a extração do manganês.

   

 

segunda-feira, 23 de junho de 2025

SÃO JOÃO

 


     Estamos em pleno São João, festividade tradicional no Brasil e principalmente na região nordeste. Festas joaninas ou juninas? Joanina deriva de João e é em homenagem a ele que assim se fala: festas joaninas. Junina deriva do mês de junho, visto que acontece nesse período do ano. É a principal festividade do ano e a mais comemorada no nordeste brasileiro.

     Os pagãos comemoravam essa data em função do solstício de inverno, no hemisfério sul e solstício de verão no hemisfério norte. Como a Europa situa-se no hemisfério norte, e praticamente maior parte do ano perdura o frio, os pagãos comemoravam a chegada do “Deus Sol Invictus”, ou seja, o sol invencível que chegava abrindo o verão para abrilhantar e esquentar aquele espaço geográfico.

     O culto ao Sol invicto continuou a ser base do paganismo oficial até a adesão do império romano ao cristianismo. Antes da sua conversão, até o imperador Constantino I, tinha o Sol Invicto como a sua cunhagem oficial. Quando aconteceu a ascensão do cristianismo, ficou decidido que a referida data seria para comemorar o santo “São João”. Com isso, a cultura europeia e de suas colônias, foi se adaptando gradativamente, como é o caso no novo mundo e do nordeste do Brasil.

     Mesmo sendo na atualidade uma dança popular, é bom lembrar que a quadrilha que era muito difundida na França, foi inicialmente dançada na corte francesa. Em seguida, no campo entre os agricultores e seus familiares. Com a descoberta do novo mundo, os costumes e a cultura europeia vieram juntos. Foi assim que se consagrou as quadrilhas mais antigas que traziam muitas palavras francesas e que foram ao longo do tempo sendo aportuguesadas aqui no Brasil.

       Alavantú, vem do francês “en avant tous” (todos para a frente); changê de damas e changê de cavalheiros, vem do verbo “changer” que significa trocar, neste caso, trocar de damas e trocar de cavalheiros. Anarriê, também é do françês “en arrière” (todos para trás); Otrefuá, do francês “autre fois”, que significa outra vez.

     O que não havia na quadrilha francesa e que foi adaptado pelo povo brasileiro, foi a encenação do casamento matuto, neste caso a quadrilha gira em torno desse casamento matuto na roça em que o noivo é obrigado a casar pelo pai da noiva, que com uma espingarda apontada para ele, o obriga definitivamente a aceitar o casamento.

     As festas juninas são comemoradas no dia 13, em homenagem a Santo Antônio, quando na véspera se comemora o dia dos namorados; o dia de São João, 24, é o dia mais comemorado, há fogueiras, queima de fogos e impera a comida derivada do milho, inclusive porque é período de colheita. Dia 29 comemora-se o São Pedro que também é muito lembrado nas pequenas cidades do interior. Nesse período não se toca outra música a não ser o forró. Para o nordestino, o São João tem o mesmo significado sentimental e religioso, da mesma forma que o Círio de Nazaré para o amapaense.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

SEGREDOS DA MURTA

 


     Aproveitando aqui o ciclo do marabaixo, dança bastante significativa para a cultura amapaense, para enfocar principalmente, o que diz respeito a um símbolo seriamente respeitado e utilizado nesse culto, os segredos da murta. Por sua vez, a dança do marabaixo ultrapassa questões: antropológicas, sociológicas, étnicas e culturais. Tornou-se a mais autêntica manifestação cultural do Amapá. Observando que em novembro de 2018, recebeu o título de patrimônio imaterial do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional - IPHAN. De outra parte, há uma questão de tamanha importância, que se trata da murta, a planta sagrada do marabaixo, que entre outras coisas, serve para envolver os mastros das bandeiras em devoção ao Divino Espírito Santo e à Santíssima Trindade.

     Na mitologia grega, a murta era consagrada a Afrodite, já em Roma, era Vênus quem recebia o título de Múrcia, denominação que a relacionava com a referida planta. Os gregos adornavam as noivas com grinaldas confeccionadas com murta. A madeira da murta, a mirra, era usada para incensar cerimônias religiosas tanto na época de Cristo, como também na Grécia antiga. Portanto, a murta tem seus vestígios em vários rituais da antiguidade, por exemplo, o culto às Deusas Deméter e Perséfone, na antiga Grécia, iniciava com uma procissão que partia de Atenas para Elêusis, na qual, os mystai, que eram os iniciados, caminhavam com um buquê de murta nas mãos, como se seguissem os passos das Deusas. A murta também era símbolo fundamental em várias cerimônias à Dioniso, Deus da uva, do vinho, da fertilidade e das festividades.

     A murta simboliza o amor, pureza, proteção, renovação, paz, juventude e beleza. Deriva do hebraico Hadassad, chegando à versão portuguesa, Hadassa, e significa mirto ou murta na nossa língua mater. No antigo testamento na Bíblia, Hadassa, que era judia, mudou seu nome para Ester, para esconder sua identidade e casar com o Rei persa Assuero/Xerxes. Hadassa também está relacionada com estrela, em função da forma da flor. Com o nome científico de Myrtus communis, pertence a um gênero botânico com mais de uma espécie de plantas com flores, que fazem da família das myrtaceae, sendo nativas do sudoeste da Europa e do Norte da África.

      Também é conhecida em várias outras denominações como: hadassad, murta, mirta, marta, múrcia e mirto, sendo esta última relacionada à Vênus e ao matrimônio. Com várias propriedades, suas folhas possuem ação expectorante, antisséptica, sendo usadas para o tratamento da sinusite, tosse e bronquite entre outras enfermidades. Suas folhas também possuem compostos ativos, os quais, possuem propriedades anti-inflamatórias e antimicrobianas, dermatológicos e até mesmo como auxiliar no combate ao envelhecimento. A planta em si, pode ultrapassar os 100 anos de idade. Além do Livro de Ester, na Bíblia, a murta é citada em várias passagens, como no livro de Zacarias, onde simboliza a restauração e a bênção divina, e ainda, no Livro de Neemias, relacionada à celebração da Festa dos Tabernáculos. Esses fatores, reforçam uma visão de renovação espiritual e proteção divina, sentimentos que também se refletem na atual dança do Marabaixo, no Amapá. 

 

segunda-feira, 9 de junho de 2025

OPORÃ

 

                               

         Sexta-feira, dia 30 de maio, no Departamento de Letras e Artes da Universidade Federal do Amapá, aconteceu a inauguração da escultura tridimensional, “Oporã”, cujo artista, J. Márcio, já é personalidade deveras conhecida na cidade de Macapá, tendo em vista que o mesmo, assinou a obra que se encontra na Praça Povos do Meio do Mundo, um espaço público dedicado aos povos originários do Amapá. J. Márcio também é autor da obra “Mulheres do Igarapé”, cujas esculturas localizam-se na Praça Jaci Barata Jucá, e eternizam a história das lavadeiras do Igarapé das Mulheres, no atual bairro Perpétuo Socorro.

     A placa da obra Oporã, foi descerrada às 17:00 horas, com depoimento do próprio artista, como também de vários professores. A referida obra, inaugura um momento peculiar na história do Curso de Artes Visuais, do Departamento de Letras e Artes, como também da própria UNIFAP. J. Márcio é egresso do Curso de Artes Visuais, desenhista, artista visual, pintor, artista plástico, cartunista, caricaturista e professor de artes visuais do Centro Profissional em Artes Visuais Cândido Portinari. Em 2011, publiquei minha terceira obra infantil, intitulada “A Ovelha Malhada”, cujas ilustrações foram de J. Márcio. Naquela época, ele já era licenciado em Artes Visuais e já demonstrava o que tinha de melhor na sua arte para oferecer à comunidade amapaense.

     Em tupi-guarani, “Oporã, ” significa bonito ou belo, sendo uma palavra muito usada no português do Brasil, assim como “oporã, “porã” também é usada para indicar beleza, por exemplo, o nome “Ponta Porã, ” significa ponta bonita, em tupi-guarani. Esta produção do escultor J. Márcio, volta suas lentes para as questões contemporâneas, revelando uma quebra de paradigmas no que concerne ao processo da inclusão social, tema tão necessário a ser abordado na atualidade.

     A obra em si, já se revelou como o totem institucional do Departamento de Letras e Artes da UNIFAP, determinando a indicação física e estética do próprio departamento. Oporã, de J. Márcio, assemelha-se a um pequeno obelisco, com relevos e sulcos que parecem rios, os quais, testemunham a monumental bacia amazônica, com seus furos, suas matas e suas infinitas ilhas, ensejando uma osmose nesse entrelaçar de amor eterno entre as águas fluviais e o continente. Nessa obra, J. Márcio conseguiu criar uma composição harmônica, a partir de materiais completamente distintos, por um lado, o concreto armado, e por outro, materiais metálicos e derivados do ferro, gerando uma leveza unificada na composição da obra.

     A constituição da imagem nos passa ainda, um caboclo remando seu barco sobre águas revoltas, mas com bastante domínio e equilíbrio, como se fosse fácil dominar um pequeno barco frente a fúria da pororoca. De outra forma, também lembra a barca sagrada dos deuses egípcios Ísis e Osíris, ícone crucial que representava o transporte dos deuses e a ligação entre o céu e a terra. Nos remete similarmente, à deusa grega Ártemis, deusa da caça, da vida selvagem, da lua, do parto e protetora das mulheres, à qual, com sua virilidade, vivia armada com seu arco e flecha para atacar o instável e impetuoso inimigo.  O evento contou com a presença do Prof. Dr. Marcos Paulo Torres Pereira (Diretor do DEPLA); Prof. Dr. Joaquim Cesar da Veiga (Coordenador do Curso de Artes Visuais); Prof. Dr. Rostan Martins (Coordenador Artístico) e o autor da obra J. Márcio. 

segunda-feira, 2 de junho de 2025

TEATRO DO MUNICÍPIO

 


 

     Há 30 anos que venho clamando por um teatro de bolso na cidade de Macapá, sobre esse tema, já escrevi vários artigos ao longo dessas três décadas. Em breve teremos mais um espaço teatral na cidade, desta vez o Teatro Municipal de Macapá, o qual está sendo concluído e está situado na convergência da Avenida FAB e Rua Cândido Mendes, no centro da cidade. Este edifício teatral possui 358 lugares.  

     Na realidade, uma das hipóteses para um novo impulso no teatro em Macapá gira em torno de, por um lado, a construção de um pequeno teatro, e por outro, uma política cultural de administração desse espaço, que propicie o acesso aos mais diversificados grupos que trabalham com artes cênicas em nossa cidade. Uma política cultural que motive também a criação de novos grupos de teatro, principalmente nas escolas da rede municipal de ensino, visto que é principalmente na escola que surge o novo cidadão.

     Tais encaminhamentos viriam a dar cara nova às artes cênicas em nosso município, cativando os jovens, criando uma nova mentalidade e contribuindo para o desenvolvimento sócio cultural de nossa sociedade. Sem esquecer, que os órgãos de cultura em nível federal, estadual e municipal, deveriam contribuir com projetos voltados para o desenvolvimento das artes cênicas como um todo, em nosso Estado.

     Os espaços alternativos que já existem em nossa capital não suprem a necessidade dos nossos grupos de teatro. Por outro lado, apesar de estar inativo, o Teatro das Bacabeiras é um espaço para eventos profissionais ou para grupos, que, como o Língua de Trapo, com seu espetáculo Bar Caboclo, já conquistou um público efetivo, e até hoje é considerado o único espetáculo local que consegue lotar aquele edifício teatral, com capacidade para aproximadamente 710 pessoas sentadas.

     Um exemplo efetivo a essas questões resume-se na utilização do porão do Teatro das Bacabeiras, quando vários grupos já fizeram uso daquele espaço, como foi o caso do espetáculo Esperando Godot, nos primeiros anos do século XXI, com montagem da Companhia Supernova. Ao se falar em teatro de pequeno porte, é importante registrar que, pelo seu espaço ser consideravelmente menor, diminui em muito as despesas em geral, como: limpeza e material de limpeza, com pessoal qualificado para administrar o edifício, com ar condicionado e iluminação, tendo em vista que com apenas uma lâmpada, um grupo pode ensaiar seus números e preparar seu espetáculo, o que muito reduz os custos financeiros e a manutenção do referido prédio, em si. De outra forma, com quatro centrais de ar resolve-se a temperatura na plateia, neste caso, com metade do público basta ligar apenas duas centrais, espaço lotado, passa a funcionar as quatro centrais. Além disso, faz aglomerar ainda mais o público presente, dando um ar de participação mais ativa ao espetáculo.  

     É evidente que com o passar do tempo, administradores e agentes públicos, percebam essa necessidade de engrandecimento de nossa cultura. Portanto, observa-se que na atualidade, há uma luz no fim do túnel, e os artistas e a cultura, esperam com muita ansiedade a inauguração do Teatro do Município de Macapá. Que seja bem-vinda esta notícia, e que realmente seja concretizada pela Prefeitura Municipal de Macapá. Evoé! Que Dioniso nos permita a breve inauguração desse novo e tão esperado edifício teatral!

 

 

 

 

 

domingo, 25 de maio de 2025

AINDA ESTOU AQUI

 


     Todos já ouviram falar sobre o filme que tem como título este artigo. Ainda Estou Aqui, é um filme de 2024, dirigido por Walter Salles, tendo como protagonista Fernanda Torres, no papel de Eunice Paiva e, Selton Mello como Rubens Paiva. A referida obra foi baseada na autobiografia homônima de 2015, escrita e publicada por Marcelo Rubens Paiva, como pode-se observar, o enredo revela a história da família Paiva, com enfoque no Marcelo Rubens Paiva e Eunice Paiva, sua esposa. Ainda Estou Aqui, foi lançado em novembro de 2024. Em razão do filme enfocar questões relacionadas à ditadura militar, que se deu entre o período de 1964 a 1985, do século XX, evidenciando as mais diversas consequências de desagregação do núcleo familiar, sofreu um boicote da direita brasileira. Apesar disso, virou um sucesso de bilheteria, e já alcançou um público de mais de seis milhões de espectadores.

     Foi distribuído no mercado internacional com o título I’m Still Here e, em março deste ano, fez história quando conquistou o prêmio de melhor filme internacional no Oscar, nos Estados Unidos. Consequentemente, em vários países da Europa e do mundo, o filme foi automaticamente traduzido para que o globo conhecesse um pouco dessa fase obscura que aconteceu no Brasil no século XX. Embora a mídia nacional e internacional tenha tido colocado em tela, tal acontecimento, à vista disso, e possivelmente pelo fato de ter conquistado o Oscar, é notório que grande parte da população se sensibilizou em assistir ao referido filme. Destarte, decido trazer à tona, semelhantes acontecimentos artísticos de décadas passadas, que, pelo fato de não terem tido o regozijo de galgar um Oscar, e de não terem sido largamente divulgados pela mídia, não lograram o êxito do filme em tela. Direcionarei meu olhar para dois trabalhos cinematográficos, de tamanha importância e que devem ser citados neste debate. 

     Em primeiro caso, citarei o filme Cabra Marcado para Morrer, de 1984, dirigido por Eduardo Coutinho. É um filme documentário brasileiro, que também mostra os estragos de um governo autocrático frente às Ligas Camponesas, que eram órgãos representativos dos agricultores brasileiros. Por sua vez, este filme também é uma narrativa semidocumental, sobre a vida do agricultor João Pedro Teixeira, um líder camponês da Paraíba, assassinado no ano de 1962 e, principalmente da viúva, Elizabeth Teixeira, que participou efetivamente das gravações. O enredo mostra a vida dos camponeses sendo expulsos da terra pelos coronéis e donos de usinas. O filme estava sendo produzido pelos Centros Populares de Cultura da União Nacional de Estudantes. Em função do golpe militar, as filmagens foram interrompidas em 1964. Desde esse período, a viúva, Elizabeth Teixeira, separada de seus filhos, vivera na clandestinidade. O referido filme também galgou alguns prêmios como, por exemplo, o de melhor documentário, no VI Festival do Cinema Latino-americano, em Havana-Cuba.

     O segundo caso, trata-se do filme, A Hora da Estrela, de 1985, sendo este, um drama, dirigido por Suzana Amaral. Aqui, o roteiro foi uma adaptação do romance homônimo de Clarice Lispector. O papel principal, (Macabéa), foi assumido pela atriz paraibana Marcélia Cartaxo, e num Festival de Cinema de Berlim, ainda em 1985, ela tornou-se a primeira atriz brasileira a ganhar o troféu, Uso de Prata. Após treze anos, em 1998, foi que Fernanda Montenegro galgou o Urso de Prata, no mesmo Festival, com o filme Central do Brasil. Hoje, quando se remete ao prêmio Urso de Prata, a população logo se lembra de Fernanda Montenegro. É preciso estarmos atentos para as informações que nos são dirigidas.