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terça-feira, 16 de setembro de 2025

TERREIRO URBANO

 

  

     Na última segunda-feira, mais um espetáculo foi apresentado no Teatro Marco Zero, desta vez, a Cia Teatral Treme Terra, com a peça teatral intitulada “Terreiro Urbano”. A referida companhia foi fundada em 2006, e tem sua origem no Bairro Rio Pequeno, na periferia da zona oeste de São Paulo. É uma associação que se volta para o estudo e pesquisas da cultura de origem afrodescendente e relaciona seu trabalho principalmente com a dança negra contemporânea. O grupo mira um olhar para a ancestralidade africana, à qual está intrinsecamente enraizada nos costumes do nosso povo, e sua influência cultural no Brasil desde o período de sua colonização.

     Esses vestígios podem-se observar no próprio site da companhia, quando afirma que seu trabalho, “... está calcado nos pilares de uma dança de motriz africana que vem se construindo no percurso da diáspora negra no Brasil, que ressignifica códigos, vocabulários e estéticas que partem das Danças dos Orixás, Capoeira, Expressão Negra e sua intersecção com o tambor, bem como, outras ferramentas artístico-pedagógicas que auxiliam na expansão da consciência corporal, histórica e política”. Com seu objetivo definido, a companhia Treme Terra, traz em seus trabalhos aspectos culturais muito mais significativos, do que se pode perceber em simples palavras escritas.

     Está claro na ação da mise en scène, a grande preocupação em termos de pesquisa, teórica, cênica e corporal. Pode-se considerar um espetáculo de dança, mas, muito além disso, é uma encenação ancestral, antropológica e cheia de brasilidade, com resistentes raízes afrodescendentes. Por sua vez, a sonoplastia, com fundamentos em letras, ritmos e instrumentos profundamente vinculados à cultura africana, conota a resiliência, energia e resistência da etnia negra, confrontando com o racismo estrutural solidificado em nosso país, nos dias hodiernos. Tendo a música como base para a dança negra contemporânea, o que se torna mais perceptível e palpável, nesta apresentação, é o profundo olhar para si mesmo, a partir da expressividade extensiva do corpo.

     O que a encenação busca comunicar ao público em geral e, principalmente aos afrodescentes que ainda não conseguiram adquirir a consciência de sua importância social e ancestral, resume-se na antiga frase do Sócrates, quando diz: conhece-te a ti mesmo. Além de ter um elenco especificamente afrodescendente, o espetáculo se apoia principalmente na música ligada à ritmos africanos, criando quadros específicos a partir do gênero e sentimentos que cada música nos deseja comunicar. Sem texto definido, os quadros vão se desenvolvendo pari passu com a dança. Neste sentido, a música se torna um dos principais vetores do espetáculo; é como se fosse o combustível original para o desenrolar dos passos expressivos e corporais dos dançarinos/atores, no palco sagrado do Teatro Marco Zero. 

     Com um foco para a expressão corporal quase desportiva, pelo excesso de uso integral do corpo dos dançarinos, a encenação nos remete à biomecânica, relacionado à questão do domínio do corpo, de Meyerhold; aos exercícios corporais de preparação do ator de Stanislavski; ao teatro da crueldade de Antonin Artaud, focando não no texto, mas na performance física; com a investigação do corpo extra-cotidiano de Eugênio Barba; e ainda com o Método Laban, na perspectiva da complexidade do movimento humano. Este espetáculo, eu recomendo.

 

 

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