Na última segunda-feira, mais um
espetáculo foi apresentado no Teatro Marco Zero, desta vez, a Cia Teatral Treme
Terra, com a peça teatral intitulada “Terreiro Urbano”. A referida companhia foi
fundada em 2006, e tem sua origem no Bairro Rio Pequeno, na periferia da zona
oeste de São Paulo. É uma associação que se volta para o estudo e pesquisas da
cultura de origem afrodescendente e relaciona seu trabalho principalmente com a
dança negra contemporânea. O grupo mira um olhar para a ancestralidade africana,
à qual está intrinsecamente enraizada nos costumes do nosso povo, e sua influência
cultural no Brasil desde o período de sua colonização.
Esses vestígios podem-se observar no
próprio site da companhia, quando afirma que seu trabalho, “... está calcado
nos pilares de uma dança de motriz africana que vem se construindo no percurso
da diáspora negra no Brasil, que ressignifica códigos, vocabulários e estéticas
que partem das Danças dos Orixás, Capoeira, Expressão Negra e sua intersecção
com o tambor, bem como, outras ferramentas artístico-pedagógicas que auxiliam
na expansão da consciência corporal, histórica e política”. Com seu objetivo
definido, a companhia Treme Terra, traz em seus trabalhos aspectos culturais
muito mais significativos, do que se pode perceber em simples palavras
escritas.
Está claro na ação da mise en scène, a grande preocupação em termos de pesquisa, teórica,
cênica e corporal. Pode-se considerar um espetáculo de dança, mas, muito além
disso, é uma encenação ancestral, antropológica e cheia de brasilidade, com resistentes
raízes afrodescendentes. Por sua vez, a sonoplastia, com fundamentos em letras,
ritmos e instrumentos profundamente vinculados à cultura africana, conota a
resiliência, energia e resistência da etnia negra, confrontando com o racismo
estrutural solidificado em nosso país, nos dias hodiernos. Tendo a música como
base para a dança negra contemporânea, o que se torna mais perceptível e
palpável, nesta apresentação, é o profundo olhar para si mesmo, a partir da
expressividade extensiva do corpo.
O que a encenação busca comunicar ao
público em geral e, principalmente aos afrodescentes que ainda não conseguiram adquirir
a consciência de sua importância social e ancestral, resume-se na antiga frase
do Sócrates, quando diz: conhece-te a ti mesmo. Além de ter um elenco
especificamente afrodescendente, o espetáculo se apoia principalmente na música
ligada à ritmos africanos, criando quadros específicos a partir do gênero e
sentimentos que cada música nos deseja comunicar. Sem texto definido, os
quadros vão se desenvolvendo pari passu com a dança. Neste sentido, a música se
torna um dos principais vetores do espetáculo; é como se fosse o combustível
original para o desenrolar dos passos expressivos e corporais dos
dançarinos/atores, no palco sagrado do Teatro Marco Zero.
Com um foco para a expressão corporal
quase desportiva, pelo excesso de uso integral do corpo dos dançarinos, a
encenação nos remete à biomecânica, relacionado à questão do domínio do corpo, de
Meyerhold; aos exercícios corporais de preparação do ator de Stanislavski; ao
teatro da crueldade de Antonin Artaud, focando não no texto, mas na performance
física; com a investigação do corpo extra-cotidiano de Eugênio Barba; e ainda
com o Método Laban, na perspectiva da complexidade do movimento humano. Este
espetáculo, eu recomendo.
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