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segunda-feira, 27 de abril de 2015

AS FACES DE CRISTO - Conforme a Maré


                                      
     A Companhia Cangapé idealizou e concretizou o projeto da encenação de “As Faces de Cristo”, que versa sobre a quaresma. A quaresma é o período de 40 dias que inicia na quarta-feira de cinzas e vai até o domingo de páscoa. É nesse espaço de tempo o momento em que católicos e ortodoxos se dedicam à penitência. O espetáculo foi apresentado no dia 17 de maio do ano em curso, uma sexta-feira. O início estava marcado para as 19:30h, todavia, como é de costume foi preciso esperar o tempo passar um pouco para que a maré pudesse baixar.
     Na montagem deste espetáculo apresentado ao ar livre e dentro do rio Amazonas, a Companhia Cangapé objetivou experimentar novas possibilidades estéticas de representação cênica não tradicional. O espetáculo foi encenado próximo à rotatória do bairro Santa Inês, em Macapá. Apesar da neblina que caía sequencialmente, o espetáculo aconteceu normalmente, inclusive conquistando o público e curiosos que por ali passavam e paravam para assistir ao espetáculo.
     Desde que foi fundada, a companhia Cangapé vem circulando por vários gêneros e estéticas cênicas, como: teatro, dança e circo e agora volta-se para este trabalho que é mais uma ousadia do grupo. Torna-se evidente em suas atividades a forte presença do circo. Contudo, nota-se esta presença fundamental que também é marcante na montagem de “As Faces de Cristo”.
          No geral, o espetáculo se desenvolveu bem, inclusive conquistando um público considerado, que se espalhou pelo menos por cento e cinquenta metros no muro de arrimo entre a cidade de Macapá e o rio Amazonas. Como é uma nova linguagem, ou seja, um espetáculo que apresenta maiores proporções no que diz respeito ao espaço, número de atores e figurantes, iluminação, sonoplastia e visualidades cenográficas; alguns detalhes se fazem necessários para que a relação entre o teatro, a imagem, os olhos de quem realiza e os olhos de quem vê se coadunam gerando sensação de harmonia para a formação do quadro cênico.
     Entretanto, levando-se em consideração as técnicas teatrais e circenses e os aspectos semiológicos das artes cênicas em geral, enfocarei aqui, algumas sugestões para que sejam observadas pelo grupo. Quanto mais distante do público, consequentemente o espaço cênico exigirá maior amplidão dos atores, do cenário e da cena em geral, para dar lugar e significado à representação, diante das pessoas que assistem efetivamente a um espetáculo. Os gregos já faziam isso há 2.500 anos antes de Cristo quando colocavam batas com listras verticais em seu vestuário para criarem ilusão de ótica e se tornarem mais altos perante os olhos do público.
     Outra questão gira em torno da boa utilização do espaço e nuances oferecidas pelo próprio rio. Várias cenas poderiam acontecer tendo como ponto de partida os espelhos d’água que são naturalmente oferecidos pelo rio, gerando nas cenas bela plasticidade, quando as mesmas passam a refletir na própria água. No espaço geográfico do rio Amazonas ficam expostas pequenas ilhas e pequenas poças d’água que devem ser utilizadas como fonte de beleza natural da peça.
     Algumas cenas foram apresentadas sendo encobertas pelas bandeiras brancas que representavam barcos e que foram utilizadas como parte do cenário. Em determinados momentos a visão do público era prejudicada em função dessas bandeiras. Nesse caso, as cenas deveriam ser localizadas à frente das referidas bandeiras, para uma melhor visão do público. Desta forma, permaneceriam em cena, visto que estavam num plano mais alto que os próprios atores. Isto seria bom para dar melhor brilho ao cenário, delimitação do mesmo e principalmente contribuiria demasiadamente para o visual plástico da encenação.
     Em relação à iluminação, se faz necessário mais pontos de luz em direção ao leito do rio, enquanto que no cenário propriamente dito, o número de tochas deveria ser quadruplicados para gerar melhor sensação de plasticidade. Assim, teríamos consequentemente mais iluminação das cenas. Nesse tipo de espetáculo, geralmente os atores não andam, caminham rápido ou correm. Contudo, para que seus corpos possam ficar mais elásticos, deverão exagerar nos gestos e movimentos. Em função da distância, esses movimentos parecerão normais aos olhos do público.
     O grupo tem que insistir nesse espetáculo. Entendo que “As Faces de Cristo” deveria entrar para o calendário da Companhia Cangapé e ser apresentado todos os anos no leito do rio Amazonas. O trabalho foi uma realização da Cia quem tem à frente Washington Silva, Mauro Santos, Alice Araújo, Cleber Luiz e Keila Moreira. O espetáculo teve apoio do Coletivo de Artistas Produtores e Técnicos em Teatro do Estado do Amapá – CAPTTA; Secretaria de Estado da Cultura – SECULT e do Conselho de Cultura – CONSEC.

     Valeu a ideia, a ousadia e a persistência da Companhia Cangapé. Todos os atores que se dedicaram ao espetáculo estão de parabéns, “As Faces de Cristo” foi uma boa oportunidade para quem presenciou o evento. Todos sabem que em nossa região tudo depende da maré. Na Amazônia é assim, até o teatro acontece conforme a maré. 

sexta-feira, 24 de abril de 2015

BI TRINDADE - O MENINO DO LAGUINHO

    
    Reconhecido como artista de primeira linha, na década de 1970, Bi Trindade exerceu grande influência no que diz respeito às artes no Amapá, digo, às artes em geral. Sim! Visto que ele era um artista versátil: ator, escritor, poeta, músico, professor, além de ser tradutor de várias composições da Música Popular amapaense para o idioma francês.
     Como tantos outros artistas da década de 1970, o teatro surgiu na vida de Bi Trindade no bairro do Laguinho, principalmente no Grupo Telhado. Também não poderia deixar de ser, foi contemporâneo de Osvaldo Simões, Consolação Corte, Juvenal Canto entre outros jovens da época.
     É considerável afirmar que na década de 1970, com a criação do Grupo Telhado; com a criação do Grupo Pilão e com vários eventos artísticos, como feiras de artes, promovidos por esse grupo de pessoas. Foram os jovens do Laguinho que conseguiram transformar o seu bairro no maior centro cultural do Estado do Amapá, naquele momento histórico.
       O Telhado foi um grupo de teatro que em muito contribuiu para a formação de atores do Amapá, visto que o grupo trabalhava observando a arte como um sério métier. Lembra Bi, que o grupo conseguiu assinar convênio com o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL. Em função do seu trabalho, o grupo conquistou e teve à sua disposição o Cineteatro Territorial, para realizar seus ensaios e suas apresentações.
     Mas, o telhado não só se dedicava à arte pela arte. Como grupo de vanguarda se preocupava tanto com o trabalho artístico, no caso a mise em scéne, como em debater com a sociedade local suas angústias, suas emoções e seus problemas político e sociais. Bi Trindade participou em espetáculos como: “Antônio, Meu Santo” e “A Mulher que Casou 18 Vezes” e “O Menino do Laguinho”.
     “A Mulher que Casou 18 Vezes” além de ter sido um bonito espetáculo, nela Bi representou dois personagens e ainda trabalhou na música. Foi uma adaptação de cordel, que deixava o público sempre à vontade porque era de fácil compreensão. Além disso a peça deixou para ele a experiência de viajar pelos cinco municípios amapaenses que existiam na época: Macapá, Porto Grande, Ferreira Gomes, Calçoene, Amapá e Oiapoque.
     Além do Grupo Telhado, Bi participou de outros grupos de igrejas como São Benedito e Jesus de Nazaré. Em 1977, na igreja São Benedito, padre José solicitou que o grupo apresentasse a via sacra ao vivo pelas ruas do bairro laguinho. O trajeto ficou assim determinado: saída da referida igreja, seguindo por ruas do Pacoval; depois, passando em frente à igreja Nossa Senhora Aparecida, em seguida voltando pela rua Eliezer Levy e boêmios do Laguinho, para finalizar com a crucificação de Cristo que acontecia na Igreja São Benedito.
     No trajeto, o povo do Laguinho seguia a Via Sacra como se fossem verdadeiros figurantes. Seguiam como verdadeiros romeiros, como se estivessem seguindo o próprio Cristo. Nessa apresentação aconteceu um fato sui gêneris no teatro do Amapá, é quando Bi tornou-se pela primeira vez na história do teatro o primeiro cristo negro numa montagem sobre a vida de cristo, no Amapá.
     Outro legado que Bi Trindade trouxe desse período, foi não só o fato de ter sido bom ator, mas de ter se tornado um dos melhores intérpretes de música amapaense. Por todo esse tempo ele transitou entre o teatro e a música, sendo também um dos fundadores do Grupo Pilão. Muitas vezes era ator e compositor das músicas das peças, caso que aconteceu na montagem “O Menino do Laguinho”.
     A peça “O Menino do Laguinho”, cujo diretor era Pedro Tavares, foi pensada pelo grupo de forma coletiva, portanto, não houve um autor específico. Nesse espetáculo, Bi Trindade representava um personagem que ensinava um cego. O Menino do Laguinho serviu como ponto de partida para Bi em função de que foi o primeiro trabalho que participou, exaltando o lugar em que morava e suas origens. O espetáculo exaltava a problemática do amapaense, focando o menino do laguinho.
     Na década de 1980 foi parceiro de Celso Dias quando participou no Grupo de Teatro do SESC/Amapá. Nessa época, o SESC foi um dos grandes motivadores da arte no Amapá. O fato de ter se dedicado ao teatro em muito contribuiu para exerce o magistério como professor de francês.
     Iniciou como cantor, imitando artistas como Wilson Simonal e Toni Tornado e foi um dos fundadores do Grupo Pilão, do qual se tornou compositor e cantor efetivo. Por outro lado, para ele, o teatro foi uma saída em busca de entretenimento, para ocupar a mente, para se divertir e para levar alegria para outras pessoas. Fato é que o Grupo Telhado na década de 1970, foi um movimento de mobilização que teve sua importância na formação cultural de muitos jovens no Estado do Amapá. E foi no Telhado, que Bi Trindade se considerava o próprio Menino do Laguinho.