A Companhia Cangapé idealizou e
concretizou o projeto da encenação de “As Faces de Cristo”, que versa sobre a quaresma.
A quaresma é o período de 40 dias que inicia na quarta-feira de cinzas e vai
até o domingo de páscoa. É nesse espaço de tempo o momento em que católicos e
ortodoxos se dedicam à penitência. O espetáculo foi apresentado no dia 17 de
maio do ano em curso, uma sexta-feira. O início estava marcado para as 19:30h, todavia,
como é de costume foi preciso esperar o tempo passar um pouco para que a maré
pudesse baixar.
Na montagem deste espetáculo apresentado
ao ar livre e dentro do rio Amazonas, a Companhia Cangapé objetivou
experimentar novas possibilidades estéticas de representação cênica não
tradicional. O espetáculo foi encenado próximo à rotatória do bairro Santa Inês,
em Macapá. Apesar da neblina que caía sequencialmente, o espetáculo aconteceu normalmente,
inclusive conquistando o público e curiosos que por ali passavam e paravam para
assistir ao espetáculo.
Desde que foi fundada, a companhia Cangapé
vem circulando por vários gêneros e estéticas cênicas, como: teatro, dança e
circo e agora volta-se para este trabalho que é mais uma ousadia do grupo. Torna-se
evidente em suas atividades a forte presença do circo. Contudo, nota-se esta
presença fundamental que também é marcante na montagem de “As Faces de Cristo”.
No geral, o espetáculo se desenvolveu
bem, inclusive conquistando um público considerado, que se espalhou pelo menos
por cento e cinquenta metros no muro de arrimo entre a cidade de Macapá e o rio
Amazonas. Como é uma nova linguagem, ou seja, um espetáculo que apresenta maiores
proporções no que diz respeito ao espaço, número de atores e figurantes,
iluminação, sonoplastia e visualidades cenográficas; alguns detalhes se fazem
necessários para que a relação entre o teatro, a imagem, os olhos de quem
realiza e os olhos de quem vê se coadunam gerando sensação de harmonia para a
formação do quadro cênico.
Entretanto, levando-se em consideração as
técnicas teatrais e circenses e os aspectos semiológicos das artes cênicas em
geral, enfocarei aqui, algumas sugestões para que sejam observadas pelo grupo. Quanto
mais distante do público, consequentemente o espaço cênico exigirá maior
amplidão dos atores, do cenário e da cena em geral, para dar lugar e
significado à representação, diante das pessoas que assistem efetivamente a um
espetáculo. Os gregos já faziam isso há 2.500 anos antes de Cristo quando
colocavam batas com listras verticais em seu vestuário para criarem ilusão de
ótica e se tornarem mais altos perante os olhos do público.
Outra questão gira em torno da boa
utilização do espaço e nuances oferecidas pelo próprio rio. Várias cenas
poderiam acontecer tendo como ponto de partida os espelhos d’água que são
naturalmente oferecidos pelo rio, gerando nas cenas bela plasticidade, quando
as mesmas passam a refletir na própria água. No espaço geográfico do rio
Amazonas ficam expostas pequenas ilhas e pequenas poças d’água que devem ser
utilizadas como fonte de beleza natural da peça.
Algumas cenas foram apresentadas sendo
encobertas pelas bandeiras brancas que representavam barcos e que foram
utilizadas como parte do cenário. Em determinados momentos a visão do público
era prejudicada em função dessas bandeiras. Nesse caso, as cenas deveriam ser
localizadas à frente das referidas bandeiras, para uma melhor visão do público.
Desta forma, permaneceriam em cena, visto que estavam num plano mais alto que
os próprios atores. Isto seria bom para dar melhor brilho ao cenário,
delimitação do mesmo e principalmente contribuiria demasiadamente para o visual
plástico da encenação.
Em relação à iluminação, se faz necessário
mais pontos de luz em direção ao leito do rio, enquanto que no cenário
propriamente dito, o número de tochas deveria ser quadruplicados para gerar
melhor sensação de plasticidade. Assim, teríamos consequentemente mais
iluminação das cenas. Nesse tipo de espetáculo, geralmente os atores não andam,
caminham rápido ou correm. Contudo, para que seus corpos possam ficar mais
elásticos, deverão exagerar nos gestos e movimentos. Em função da distância,
esses movimentos parecerão normais aos olhos do público.
O grupo tem que insistir nesse espetáculo.
Entendo que “As Faces de Cristo” deveria entrar para o calendário da Companhia
Cangapé e ser apresentado todos os anos no leito do rio Amazonas. O trabalho
foi uma realização da Cia quem tem à frente Washington Silva, Mauro Santos, Alice
Araújo, Cleber Luiz e Keila Moreira. O espetáculo teve apoio do Coletivo de
Artistas Produtores e Técnicos em Teatro do Estado do Amapá – CAPTTA;
Secretaria de Estado da Cultura – SECULT e do Conselho de Cultura – CONSEC.
Valeu a ideia, a ousadia e a persistência
da Companhia Cangapé. Todos os atores que se dedicaram ao espetáculo estão de
parabéns, “As Faces de Cristo” foi uma boa oportunidade para quem presenciou o
evento. Todos sabem que em nossa região tudo depende da maré. Na Amazônia é
assim, até o teatro acontece conforme a maré.