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segunda-feira, 31 de julho de 2023

PRIMEIRO ESPETÁCULO DO AMAPÁ

 


     Considerando estudos e pesquisas por mim realizados, nesses últimos 29 anos, sem sombra de dúvidas, até o presente momento, o espetáculo mais antigo de que se tem notícia no Amapá é a dramatização da Batalha Entre Mouros e Cristãos, que acontece desde o século XVIII, na cidade de Mazagão Velho. Embora, o povo tenha sido instalado a partir de 1771, a primeira encenação da Batalha entre Mouros e Cristãos aconteceu no ano de 1777, sendo um total de 246 apresentações neste ano de 2023.

     Não é difícil entender que a atual Vila de Mazagão Velho, apresenta características telúricas sui generis, que vem sendo manifestadas culturalmente pelos seus moradores ao longo dos séculos. Para termos uma ideia, de como se expressa essa comunidade amazônica em relação ao seu ciclo temporal; lá, há manifestações culturais que demonstram questões idiossincráticas e se revelam aproximadamente em 17 festas ao longo do ano. Contudo, a mais expressiva resume-se na Festa de São Tiago, que vem sendo realizada há 246 anos, nos dias 23, 24 e 25 de julho. Dentro da programação está a encenação da Batalha entre Mouros e Cristãos. A festa é composta de cerimônias e rituais com cenas distintas.

     Tudo começou em função da morte de Dom José I, o que consequentemente gerou um novo começo para a nova Mazagão. Com vistas à aclamação da Rainha D. Maria I, Lisboa dá ordens para que cada região do Império se dedique a organizar uma grande festa em homenagem à nova administradora do Império português. Para isso, a ordem foi a de que a comunidade deveria organizar oito dias de festas, que compreendesse o período entre 16 de novembro a 1º de dezembro do ano de 1777. Dentro das festividades houve apresentação em carros alegóricos; batalhas entre naus; apresentação de óperas, e inclusive a primeira apresentação da Batalha Entre Mouros e Cristãos na nova Mazagão da época.

     As cerimônias iniciaram no dia 16 de novembro com uma missa solene e nesse mesmo dia à noite foi cantado o Tedeum, espécie de hino religioso. No sábado dia 22, após a celebração de uma missa, saiu pelas ruas da Vila de Mazagão um cortejo com carro alegórico com vinte figuras de meninas que cantavam acompanhadas por três rebecas e três violas. Neste carro alegórico também havia dez dançarinos mascarados, sendo que um deles recitava vários epílogos e obras poéticas. Informações como estas, podem ser localizadas na obra A Cidade que atravessou o Atlântico, de Laurent Vidal.

     Depois do desfile desse carro alegórico pelas ruas da vila, a festa continuou no domingo à noite. No dia 23 de novembro foram encenadas três óperas: Demofonte na Trácia; Dido Abandonada e Artarxerxes. Deu-se um total de sete encenações dessas três óperas, entre o período de 23 de novembro a 03 de dezembro. Essas três óperas são de autoria do italiano Pietro Metastasio. Além de tudo isso, houve a representação da Batalha Entre Mouros e Cristãos, tanto em terra como também no rio Mazagão, em forma de uma batalha naval entre duas naus, sendo que sempre no final, os cristãos vencem a batalha. Há que se perguntar, por que apenas a representação em terra, da referida batalha chegou até a nossos dias? Por outro lado, considero o ano de 1777, como marco inicial do teatro em espaço aberto, no Amapá.

 

 

segunda-feira, 24 de julho de 2023

PIPOCAS DO ZÉ

 


     Quase no desfecho de minha época de criança, indo para o limiar da minha adolescência, inocentemente, surgiu a oportunidade de meus primeiros momentos com a responsabilidade financeira, e com o advento, poderíamos assim dizer, do primeiro subemprego. Meu pai era ferroviário numa pequena cidade do Rio Grande do Norte e acabara de ser transferido para a cidade de Itabaiana, na Paraíba. Era o ano de 1971 e eu estava com 10 anos de idade. Ele havia comprado uma pequena casa na Rua da Palha, num bairro mediano. 

     Meu vizinho, apenas conhecido por Zé, tinha uma pipoqueira e, geralmente à tardinha ele saía para vender pipocas salgadas. Naquela época, ninguém conhecia pipocas doce. Seu carrinho de pipocas era simples e fabricado artesanalmente em oficinas de quintal, por artesões e mestre artífices que ainda existiam na década de 1970, vestígios dos famosos mestres artesãos e artífices tão conhecidos desde tempos remotos e da Idade Média. Minha escola era no turno da manhã e, em contrapartida todas as tardes, da janela da minha casa, eu observava diariamente aquele senhor empurrando seu carrinho de pipoca para vender pelas ruas da pequena cidade.

     Era pequeno o carrinho de pipocas do Zé; com sua base de madeira e recoberto de alumínio, refletia intensamente, as luzes que o clareava. Tinha para suporte, em suas laterais, duas rodas de bicicletas, e para sua dirigibilidade, duas hastes de madeira, às quais, se transformavam na base para que o Zé pudesse determinar sua direção, com suas próprias mãos. Havia uma porta na parte de trás, onde Zé podia fabricar suas pipocas, tendo como combustível um botijão de 13 quilos de gás de cozinha. A parte de cima era quadrada, mas rodeada de vidro, sendo que os mesmos, protegiam as pipocas prontas e que ficavam às vistas dos transeuntes. Para conquistar seus fregueses, também havia no centro do compartimento das pipocas, um lampião à base de gás butano, que servia tanto para esquentar as pipocas já prontas, como também, para iluminar o produto durante à noite, além de sair iluminando as ruas da cidade.

     Eu, recatado, no meu canto, todos os dias vendo da minha singela janela, o carrinho de pipoca sair sem destino, para o mundo...! E eu, desolado, sentindo aquele cheirinho, específico, de pipocas no ar, dooooiiidddoo para degustá-las. Essas cenas cotidianas foram, demasiadamente, me alimentando com a perspectiva de que um dia, eu conseguiria acompanhar aquele tão maravilhoso carrinho de pipocas. A sensação de todos os dias em ficar olhando a saída daquela graciosa pipoqueira, me alimentou o sonho de um dia vender pipocas. Sim! Eu já estava com a aspiração de ser um microempreendedor, ter uma pipoqueira como a do Zé, e ser um avultado vendedor de pipocas.

     Zé era filho de Seu Aprígio, eles eram nossos vizinhos. Em função de tanto falar daquela pipoqueira, certo dia, Zé me convidou para acompanhá-lo e para ajudá-lo. Incalculável foi a minha felicidade, em poder sair com o Zé pelas ruas da cidade vendendo pipocas. Primeiro porque, aqui e acolá eu ia saboreando umas pipoquinhas. Caminhando junto à pipoqueira à noite pelas ruas da cidade, eu me sentia como se fosse o centro das atenções, visto que o lampião a gás, ao mesmo tempo que clareava as pipocas, também me iluminava... era um verdadeiro holofote...! que me fazia sentir-se artista. Vender pipocas na pipoqueira do Zé, foi um sonho realizado.    

TRIBUTO AO MESTRE

 


     Era uma vez, um mestre bonequeiro, mamulengueiro, brincante, ou ainda, ator manipulador de bonecos, que dedicou plenamente toda sua existência em prol de animar coisas inanimadas e dar alma e vida aos seus queridos bonecos. Natural da famosa, folclórica e popular cidade de Caruaru, em Pernambuco, foi de lá que Mestre Guiga ao decidir fixar residência em Macapá, imerso na cultura nordestina, trouxe no seu matulão, toda uma influência da cultura popular do nordeste,  e há 40 anos veio desaguar este rico aprendizado, aqui no delta do amazonas.

     Ele transitava pela arte em geral, e principalmente entre o teatro de bonecos e o teatro com pessoas. Geralmente em todos os espetáculos por ele representados, sempre havia profunda relação entre o ator e os bonecos. Raramente ele montava uma peça teatral sem a presença de seus bonecos. Seu maior objetivo sempre era o trabalho com teatro de bonecos, determinando que na sua estética o ator nunca estava só, paralelamente, os bonecos também nunca estavam só. Havia uma relação intrínseca, artística e cultural, era uma verdadeira simbiose.

     Por outro lado, em relação à classe organizada, ele também contribuía diretamente com a política cultural no Estado do Amapá. Suas montagens não tinham direcionamentos para idade específica de público, eram muito amplas e se dirigiam aos mais variados públicos como: crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. E assim...! nosso mestre fincou raízes no Amapá, criou vários tipos de bonecos, ministrou oficinas de confecção de bonecos, capacitou uma centena de artistas na arte da criação, confecção, manipulação e dramatização com teatro de bonecos.

     Desde a década de 1970, nosso mestre dos bonecos, trilhou uma longa caminhada na área do teatro, e participou de vários festivais de teatro espalhados pelo Brasil. Em função de seu espetáculo ter sido selecionado pelo projeto Mambembão, do Instituto Nacional de Artes Cênicas, na década de 1980, viajou as principais capitais do Brasil. Passando por Belém do Pará, no ano de 1981, se envolveu com o teatro do lugar, e teve a honra de fazer parte do primeiro elenco do espetáculo Ver-de-Ver-O-Peso. Em Macapá, na passagem do século, foi um dos organizadores, como também atuou, num mega espetáculo no período natalino, que aconteceu no marco zero do equador e teve direção geral de Amir Hadad. Na década de 1990, dirigiu o espetáculo Zapt Zupt, o qual, tinha a atriz Sol Pelaes, no elenco.

      Em dezembro de 2015, mestre Guiga Melo foi selecionado no edital Teatro de Bonecos Popular do Nordeste, concedido pelo Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Era ator, diretor, produtor, na sua Companhia Viva de Teatro, montou os seguintes espetáculos: A Linha Imaginária e os Mistérios do Meio do Mundo; Feliz Cidade; Alfa e Beto; A Procura da Paz, entre outros.  Era um verdadeiro servidor do teatro e das artes. Completando seu ciclo neste plano, ele se despediu deixando saudades para seus amigos e principalmente, seus queridos bonecos. Que fique o seu legado.

 

segunda-feira, 10 de julho de 2023

CÉU E LUA

 


     No último dia 30 de junho, foi inaugurada a casa do estudante da UNIFAP, denominada de “Casa do Estudante Lua Carolina Costa de Oliveira”, em homenagem à aluna que, em vida, era ativista política no Diretório Central dos Estudantes – DCE. Uma merecida homenagem, tendo em vista sua luta em prol da construção de uma casa de estudante para atender vários discentes sem moradia fixa em Macapá. Ela empenhava-se completamente, de corpo e alma, com o intuito de colocar em prática, políticas públicas para que a referida casa se tornasse realidade.

     Esta peleja, que também era um sonho da Lua Carolina, com muita dificuldade, se tornou realidade, enfim...! no último dia da semana, sexta-feira...! e no último dia, 30, do mês de junho de 2023. Por consequência, Lua, seu empenho e diligência, seu objetivo e seu desejo, foram alcançados. Tenha certeza que hoje a Casa do Estudante da UNIFAP, que tanto você galgava, se tornou realidade. Claro! que eu sei que você sabia que, um espaço para abrigar estudantes, como este, é algo imprescindível para proporcionar uma perspectiva de vida melhor, àqueles jovens que estão iniciando e tentando projetar um futuro profícuo.  

     Lua...! de onde você estiver, acredito que tenha vivenciado e visto o semblante de alegria e felicidade, refletidos nos cálidos rostos daqueles esperançosos estudantes, que, em meio ao cerimonial de inauguração, já chegavam ávidos de sonho, com seus únicos pertences e bens materiais; por um lado, sacolas, malas cheias de roupas, sacos, caixas com livros entre vários apetrechos, e por outro, a vontade de crescer, de ser gente, de estudar, conhecer, saber; determinados a se doarem plenamente aos estudos, para delinearem seu próprio futuro. Todos frenéticos, à espera do momento de receberem as chaves de seus ninhos/aposentos. E você, Lua...! é a principal protagonista, o principal argumento, deste enigmático enredo...! desta sigilosa trama...!

     Te confesso Lua, que eu, no meu caminhar, entendo que já me encontro no meu futuro, embora outros futuros estarão por vir. Entretanto, fazendo uma retrospectiva da minha vida acadêmica, também sou fruto dessas tais políticas públicas que tanto você intercedeu em favorecimento de seus semelhantes. Digo isto, porque fui estudante de graduação e só consegui concluir meu curso, em função desses programas públicos voltados para a manutenção do restaurante universitário, do crédito educativo e da casa do estudante. E infelizmente, o estudante menos favorecido, sem a prática efetiva dessas contribuições, será determinantemente forçado a abandonar seus estudos e retornar para o mercado de trabalho sem formação adequada.

    Aqui, também faço jus ao coadjuvante Joaquim dos Santos Filho, in memoriam, servidor público de tamanha importância no desenvolvimento desse processo de construção, preparação, montagem, organização mobiliária, preservação e funcionamento da casa do estudante da UNIFAP. Por seu lado, tudo ele implementou e executou para que esta casa fosse entregue definitivamente aos estudantes que nela se encontram hoje, instalados.

     Para finalizar, gostaria de dizer que, hoje, a Casa do Estudante da UNIFAP é uma realidade. Como a Casa do Estudante Universitário é geralmente conhecida como CEU, e este Céu foi em função de uma obstinada luta política, principalmente da Lua. Lá, não se encontra apenas o Céu, mas, concomitantemente, Céu e Lua. Doravante, chamarei a casa do estudante da UNIFAP de “CASA CEU E LUA”.

segunda-feira, 3 de julho de 2023

PESQUISA EM TEATRO

 


     Dia 26 de junho aconteceu no auditório do Departamento de Letras e Artes da Universidade Federal do Amapá, a defesa da Tese de Doutorado intitulada: “O Cineteatro Territorial de Macapá e a Criação de uma Política Cultural Janarista”, apresentada pelo professor Frederico de Carvalho Ferreira, ao Programa de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará.  Em função desse ritual acadêmico, Fred passou de dourando para professor Doutor, se tornando mais um docente Doutor do Curso de Teatro da UNIFAP. Com orientação da Profa. Dra. Bene Martins, da UFPA, participaram da banca de avaliação os seguintes arguidores: Profa. Dra. Ivone Maria Xavier de Amorim Almeida (UFPA); Prof. Dr. Romualdo Rodrigues Palhano (UNIFAP); Prof. Dr. José Flávio Gonçalves da Fonseca (UNIFAP) e, Prof. Dr. Bruno Sérvulo da Silva Matos (IFAP). 

     Esta é mais uma pesquisa de doutorado que vem somar às nossas preocupações em relação ao Estado do Amapá. Refere-se à estudo realizado sobre os contextos sócio-políticos-culturais a partir da instauração do Território Federal do Amapá, com um olhar voltado para o Cineteatro Territorial, no período cronológico de 1944 a 1949. E tem como objetivo principal “evidenciar e refletir sobre a criação de uma política cultural, disseminada pelo Governador Capitão Janary Nunes e suas possíveis influências no processo de formação identitária amapaense”.

     Praticamente, há vinte e nove anos, aqui não se falava em estudos científicos sobre o teatro do Amapá, aliás, nada havia além de memórias e saudosismos sobre o passado desse tão pujante teatro. Até aquele momento, eram dados que vinham sendo repassados apenas em função da tradição oral. Quando assumi minhas atividades profissionais na UNIFAP, em janeiro de 1995, cheguei às terras tucujus com dois propósitos fundamentais: estudar o teatro do Amapá e, implantar o Curso de Licenciatura em Teatro.

     O que muito me conforta na atualidade, é saber que essa preocupação em pesquisar o nosso teatro, e que foi iniciado por mim, lá no ano de 1995, ao longo dos anos vem se solidificando, primeiro nas obras que publiquei; segundo em função da orientação de vários trabalhos de conclusão de curso sobre teatro, e em terceiro lugar, principalmente em função da implantação do Curso de Licenciatura em Teatro, e o surgimento dessa plêiade de pesquisadores, que estão emergindo com o intuito de se dedicarem também à pesquisa do teatro amapaense. 

     Além das minhas próprias pesquisas, às quais, venho dando continuidade, o primeiro passo dado foi o da professora Dra. Juliana Souto Lemos, quando em 2017, defendeu sua Dissertação de Mestrado, intitulada “A Dramaturgia Escrita por Mulheres em Macapá-AP, 1996 a 2016”, quando na ocasião, fui arguidor. No ano de 2022, ela também concluiu seu doutorado com o título: “A Batalha Entre Mouros e Cristãos da Festa de São Tiago em Mazagão Velho – AP: Uma Experiência (Etno)Dramatúrgica. Ainda em 2022, o professor Bruno Sérvulo da Silva Matos, defendeu sua tese intitulada: Cartografia do Teatro - Contexto, Políticas e Poéticas do Teatro de Grupo em Macapá. Na atualidade, este é o grupo de pesquisadores que vem se preocupando em investigar sobre o teatro que se faz no Amapá: Prof. Dr. Palhano; Profa. Dra. Juliana Lemos; Prof. Dr. Bruno Sérvulo e Prof. Dr. Fred Carvalho.