Para
sobreviver, seu Aprígio, que foi meu vizinho por vários anos, inventava de
tudo. Ele transitava por todos os ramos do comércio, dependendo de cada fase do
ano, por exemplo, no carnaval ele vendia produtos carnavalescos como talco,
lança de espirrar água, máscaras, serpentinas, entre outros; durante o mês de
junho comercializava fogos de artifício, entre outros produtos juninos; no final
do ano, era a vez de produtos relacionados à papai Noel e árvores de natal e
assim ia compensando suas necessidades financeiras e de sua família.
Seu
Aprígio era um homem brincalhão, mas também era cheio de coragem, determinação,
com espírito de liderança e com forte tendência para superar os obstáculos da
vida. Completamente envolvido com o povo da cidade de Itabaiana, interior da
Paraíba, se metia em dirigir times de futebol, coordenar blocos de carnaval e
sempre estava completamente em sintonia com a cultura local. Fazia parte da
União de Artistas e Operários da cidade. Além de tudo isso, ele tinha uma
pequena fábrica de calçados, mais especificamente alpercatas, instalada no
quintal de sua própria casa. O fato é que comecei a me envolver com sua pequena
fabricação de alpercatas.
Enquanto sua
residência estava fincada num terreno plano, o mesmo não acontecia com o
quintal da casa; em função do terreno ser extremamente acidentado, apresentava
uma inclinação de aproximadamente 40 graus, onde ele distribuiu em escala
ascendente, três pequenos compartimentos construídos em alvenaria, para
desenvolver suas atividades laborais, no que diz respeito à fabricação de
alpercatas. Era tão íngreme que, do
segundo prédio já dava para observar o telhado da casa, como também a própria
Rua da Palha.
O
primeiro prédio, que estava na parte de baixo, era uma oficina que servia para
os últimos detalhes como limpar, polir e encaixar as alpercatas; já o segundo
prédio era o coração da pequena fábrica, era lá, o verdadeiro laboratório que
servia de local para a total fabricação das sandálias de couro. Seguindo a
inclinação do quintal de Seu Aprígio, o terceiro pavimento que ficava mais
acima, servia como armazém para a guarda de materiais diversos como também de
alpercatas já prontas para serem comercializadas.
Essa
história de minha vida de adolescente, aconteceu no ano de 1973, e foi assim
que, na perspectiva de ser gente grande, com meus 11 anos de idade, passei a
dominar todos os pequenos aparelhos e meios de produção necessários para
fabricar alpercatas. A partir da prática cotidiana, aprendi todo o caminho
metodológico, partindo do material necessário até o produto pronto, para ser
colocado à venda. Faca amoladíssima, taxas, peças de couro, cartões grossos,
tinta para colorir, máquinas para costurar as alpercatas, colar o material e
fazer o polimento total, tudo isso eu aprendi naquela nostálgica fabriqueta.
O
primeiro par de alpercatas que produzi, foi de grande significado para minha
pessoa, visto que eu jamais acreditava que podia transformar materiais simples
e tão comuns em alpercatas, que, de forma utilitária seriam usadas no dia a
dia, nos pés de muita gente. Por mais que recebesse apenas alguns trocados pelo
serviço realizado, o que mais valeu, hoje percebo isso, foi a experiência de
ter conhecido e vivenciado a arte dos artífices, de artistas e operários que em
muito contribuíram para o desenvolvimento da sociedade em geral, desde tempos
remotos.
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