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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

TRAGÉDIA DE MIM



     Este é o título que eu daria ao espetáculo “A Mulher do Fim do Mundo” apresentado no último sábado, dia 11/08, pela Associação Cultural Casa Circo, no salão do SESC/Araxá. O trabalho traz uma série de elementos interessantes no que diz respeito, principalmente à concepção estética em relação ao teatro amapaense. Observo que se trata de um espetáculo que apresenta amplo universo de reflexões sobre o ângulo de juízo que gira em torno de questões culturais, sociais, econômicas, políticas, étnicas e psicológicas no que diz respeito à personagem da mulher em sociedade. Todavia, não me refiro aqui a questões de beleza imposta pelos mass media, que possui esse grande poder de definir e impor o que é belo e o que é feio, para determinada população.  
     Acompanho e conheço a trajetória dos artistas que compõem o referido espetáculo, consequentemente, este fato me deixa mais à vontade para escrever estas palavras e ponderar meus pensamentos: Jones Barsou (encenador); há bastante tempo vem se dedicando a personagens geralmente ligados ao circo, é um palhaço nato. Agora, se aventura com mais intensidade como encenador. Mas, este é sem sombra de dúvida, o métier do artista; o eterno construir/desconstruir/construir.
     Ana Caroline é atriz, bailarina, artista circense, formada em psicologia e atualmente é acadêmica do curso de Letras na UNIFAP. Há quatro anos que vem se dedicando às artes cênicas no Amapá. Marcos Sales é performer. Salientando que Jones Barsou e Marcos Sales são acadêmicos e foram meus alunos no Curso de Licenciatura em Teatro da UNIFAP.
     Com espaço de tempo de aproximadamente 40 minutos, o espetáculo é um monólogo com atuação da Ana Caroline, no qual, está implícita uma partitura coreográfica lógica e ilógica, de ações e movimentos sequenciais. Eu diria... Está muito mais para um monólogo corporal, coreográfico e performático do que dramatúrgico, tendo em vista que sua dinâmica e mutabilidade superam a fala da personagem. De preferência, este fato nos remete ao teatro e seu duplo de Antonin Artaud.
     Enfoca tema relacionado exclusivamente ao modo impositivo e imperativo de como as sociedades, em diversas latitudes, têm visto o gênero feminino ao longo dos séculos. Notadamente, a encenação coloca de forma abstrata (a partir de movimentos corporais) essas injunções, que por sua vez, suscitam no espectador reflexões substanciais sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea. Em função das vicissitudes da vida, a própria atriz, de forma idiossincrática e telúrica se insere nesta ambiguidade: por um lado, enquanto mulher (cidadã) e por outro, enquanto personagem (artista).
     A encenação também tem influências das ações físicas elaboradas por Stanislavski; pelo trabalho psicofísico do ator, de Grotowski; pela biomecânica de Meyerhold; pelo teatro dialético de Brecht; pela teoria do Teatro Antropológico de Eugênio Barba e ainda pelo método Laban. Percebo que o espetáculo está no caminho certo, mas que o mesmo ainda precisa ser degustado e aprofundado, pelo grupo, em relação ao ritmo e harmonia. Notadamente, isto se processará com o tempo e com as consequentes apresentações para públicos diversos.
     Ao evidenciar questões sociais sobre a mulher, o trabalho da Casa Circo, me evocou a Júlia Pastrana, nascida no México no século XIX. Era negra e possuía pelos grossos e sedosos por todo corpo; sofria de hipertricose. Era conhecida como a mulher macaco. Em função disso, seu marido a usou para apresentá-la em público, como símia. Inacreditavelmente, Theodore Lent, seu esposo, a explorou até mesmo depois de sua morte, quando resolveu mumificar o corpo de Júlia para continuar exibindo e lucrando financeiramente com o corpo mumificado.
     A Mulher do Fim do Mundo é uma montagem da Associação Cultural Casa Circo. Monólogo com Ana Caroline (interpretação), Jones Barsou (encenação e iluminação) e Marcos Sales (operação de som). Na minha concepção, é um espetáculo que faz emergir nova estética de montagem teatral no cenário do teatro amapaense, visto que traz em seu âmago, discussão, pesquisa e debate sobre o tema enfocado, pré-requisitos essenciais para a montagem de um bom espetáculo. Há muitas probabilidades que, daqui para diante, o mesmo seja transformado em referência para o teatro que será produzido no Amapá.
    O grupo foi selecionado para o Amazônia das Artes/SESC, e neste ano de 2018 já se apresentou em dez municípios da região Norte. É o primeiro espetáculo amapaense que conseguiu ser selecionado para um circuito nacional, e no próximo ano estará participando do Projeto Palco Giratório do SESC, quando se apresentará em várias capitais do país.
     Essa perspectiva de avanço teórico, artístico, prático e técnico do teatro amapaense vem de longe, com minha preocupação da implantação de um curso de Teatro no Amapá, o que aconteceu no ano de 2013. O primeiro experimento surgiu ainda com a turma 2014, e durante os últimos quatro anos do curso sempre houve apresentação de experimentos no final dos semestres. Até então, essa produção se limitava às paredes da universidade. Agora em 2018, após esses quatro anos, o grande público passa a conhecer e ver de perto a influência e contribuição do curso de Teatro da UNIFAP para com a cultura do Amapá. Espero ansioso para presenciar a chegada dos nossos egressos como professores das escolas do nosso Estado. Em relação ao espetáculo “A Mulher do Fim do Mundo”, este eu recomendo.


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