Este é o título que eu daria ao espetáculo
“A Mulher do Fim do Mundo” apresentado no último sábado, dia 11/08, pela Associação
Cultural Casa Circo, no salão do SESC/Araxá. O trabalho traz uma série de
elementos interessantes no que diz respeito, principalmente à concepção
estética em relação ao teatro amapaense. Observo que se
trata de um espetáculo que apresenta amplo universo de reflexões sobre o ângulo
de juízo que gira em torno de questões culturais, sociais, econômicas,
políticas, étnicas e psicológicas no que diz respeito à personagem da mulher em
sociedade. Todavia, não me refiro aqui a questões de beleza imposta pelos mass media, que possui esse grande poder
de definir e impor o que é belo e o que é feio, para determinada população.
Acompanho e conheço a trajetória dos
artistas que compõem o referido espetáculo, consequentemente, este fato me
deixa mais à vontade para escrever estas palavras e ponderar meus pensamentos: Jones
Barsou (encenador); há bastante tempo vem se dedicando a personagens geralmente
ligados ao circo, é um palhaço nato. Agora, se aventura com mais intensidade
como encenador. Mas, este é sem sombra de dúvida, o métier do artista; o eterno construir/desconstruir/construir.
Ana Caroline é atriz, bailarina, artista
circense, formada em psicologia e atualmente é acadêmica do curso de Letras na
UNIFAP. Há quatro anos que vem se dedicando às artes cênicas no Amapá. Marcos
Sales é performer. Salientando que Jones Barsou e Marcos Sales são acadêmicos e
foram meus alunos no Curso de Licenciatura em Teatro da UNIFAP.
Com espaço de tempo de aproximadamente 40
minutos, o espetáculo é um monólogo com atuação da Ana Caroline, no qual, está
implícita uma partitura coreográfica lógica e ilógica, de ações e movimentos
sequenciais. Eu diria... Está muito mais para um monólogo corporal,
coreográfico e performático do que dramatúrgico, tendo em vista que sua
dinâmica e mutabilidade superam a fala da personagem. De preferência, este fato
nos remete ao teatro e seu duplo de
Antonin Artaud.
Enfoca tema relacionado exclusivamente ao
modo impositivo e imperativo de como as sociedades, em diversas latitudes, têm
visto o gênero feminino ao longo dos séculos. Notadamente, a encenação coloca
de forma abstrata (a partir de movimentos corporais) essas injunções, que por
sua vez, suscitam no espectador reflexões substanciais sobre o papel da mulher
na sociedade contemporânea. Em função das vicissitudes da vida, a própria
atriz, de forma idiossincrática e telúrica se insere nesta ambiguidade: por um
lado, enquanto mulher (cidadã) e por outro, enquanto personagem (artista).
A encenação também tem influências das
ações físicas elaboradas por Stanislavski; pelo trabalho psicofísico do ator,
de Grotowski; pela biomecânica de Meyerhold; pelo teatro dialético de Brecht; pela
teoria do Teatro Antropológico de Eugênio Barba e ainda pelo método Laban.
Percebo que o espetáculo está no caminho certo, mas que o mesmo ainda precisa
ser degustado e aprofundado, pelo grupo, em relação ao ritmo e harmonia.
Notadamente, isto se processará com o tempo e com as consequentes apresentações
para públicos diversos.
Ao evidenciar questões sociais sobre a
mulher, o trabalho da Casa Circo, me evocou a Júlia Pastrana, nascida no México
no século XIX. Era negra e possuía pelos grossos e sedosos por todo corpo;
sofria de hipertricose. Era conhecida como a mulher macaco. Em função disso,
seu marido a usou para apresentá-la em público, como símia. Inacreditavelmente,
Theodore Lent, seu esposo, a explorou até mesmo depois de sua morte, quando
resolveu mumificar o corpo de Júlia para continuar exibindo e lucrando
financeiramente com o corpo mumificado.
A Mulher do Fim do Mundo é uma montagem da
Associação Cultural Casa Circo. Monólogo com Ana Caroline (interpretação),
Jones Barsou (encenação e iluminação) e Marcos Sales (operação de som). Na
minha concepção, é um espetáculo que faz emergir nova estética de montagem
teatral no cenário do teatro amapaense, visto que traz em seu âmago, discussão,
pesquisa e debate sobre o tema enfocado, pré-requisitos essenciais para a
montagem de um bom espetáculo. Há muitas probabilidades que, daqui para diante,
o mesmo seja transformado em referência para o teatro que será produzido no
Amapá.
O grupo foi selecionado para o Amazônia das
Artes/SESC, e neste ano de 2018 já se apresentou em dez municípios da região
Norte. É o primeiro espetáculo amapaense que conseguiu ser selecionado para um
circuito nacional, e no próximo ano estará participando do Projeto Palco
Giratório do SESC, quando se apresentará em várias capitais do país.
Essa perspectiva de avanço teórico,
artístico, prático e técnico do teatro amapaense vem de longe, com minha
preocupação da implantação de um curso de Teatro no Amapá, o que aconteceu no
ano de 2013. O primeiro experimento surgiu ainda com a turma 2014, e durante os
últimos quatro anos do curso sempre houve apresentação de experimentos no final
dos semestres. Até então, essa produção se limitava às paredes da universidade.
Agora em 2018, após esses quatro anos, o grande público passa a conhecer e ver
de perto a influência e contribuição do curso de Teatro da UNIFAP para com a
cultura do Amapá. Espero ansioso para presenciar a chegada dos nossos egressos
como professores das escolas do nosso Estado. Em relação ao espetáculo “A
Mulher do Fim do Mundo”, este eu recomendo.
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