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terça-feira, 21 de novembro de 2023

IGARAPÉ DAS MULHERES

 


     Local místico, centro das atenções de uma comunidade; local de encontro, de alegria, de conversas e de trabalho cotidiano. Recanto preferido onde a criançada fazia e inventava seus próprios brinquedos e brincadeiras. Lugar versátil: piscina, rio, mar, praia, verdadeiro e principal ponto de lazer da comunidade local. Observo que nos tempos idos, o igarapé das mulheres, não significava apenas o que era...! mas, metaforicamente, também se assemelhava a um grande shopping a céu aberto. Ponto e porto de chegada e saída de mercadorias, movimento intenso de barcos, o que ainda acontece na atualidade. O igarapé das mulheres mais parece um centro geológico dotado de magnetismo, tendo em vista que tudo se vê atraído por aquele lugar. Barcos, pessoas, mercadorias, crianças, homens e mulheres. Entretanto, parece-me que a mágica e o intensivo magnetismo existente naquele recanto, atraía mesmo as mulheres lavadeiras de roupa.

     Época remota, em que as mulheres eram totalmente atraídas para aquele espaço sentimental, para lavarem suas roupas e de suas famílias, nas águas daquele inefável igarapé. Berço de uma cultura, área de encontro social, sítio arqueológico, ponto de encontro e de comunicação entre as comunidades ribeirinhas. Apesar de não haver mais mulheres lavando roupas, hoje o igarapé das mulheres continua firme como ponto de chegada e partida daqueles que permanecem perpetuando o ciclo de sua relação com o rio, a água e os ribeirinhos da grandiosa Amazônia. Todo lugar, toda cidade, vivencia seus momentos de ascensão e decadência. Embora, na atualidade, praticamente, o local seja impróprio para banho, de certa forma, continua a servir como porto fluvial, onde pequenos barcos mercantes o utilizam, num vai e vem permanente.

     Esse meigo olhar que exige cuidados ambientais e de preservação, ao longo de décadas, não foi tão bem visto como deveria ter sido, pelos administradores e pela sociedade em geral. Mas, a arte nos salva dessa falha, dessa hamartia. Ela vem e eleva aquele lugar no seu mais sublime grau de grandiosidade estética. E a manutenção da fidelidade e beleza artística, clássica, literária e lírica vamos encontrar nos versos da música “Igarapé das Mulheres” do cantor e compositor Osmar Júnior. Em seus versos, significantes e significados, ao mesmo tempo, estão inseridos e latentes, revelando como num soneto musical, pequenos textos, contextos e pretextos que nos levam definitivamente, a compreender o jeito de ser tucujú. Ele inicia seus versos afirmando, como um verdadeiro filósofo, que o tempo leva tudo, o tempo leva a vida, o que nos remete ao célebre sábio grego Heráclito de Éfeso.

     Utilizando-se de figuras de linguagem, como metáfora e comparação, Osmar Júnior descreve aventuras, em meio às suas alegrias, dúvidas e tristezas, ao enfrentar as vicissitudes da vida, com seu olhar pretérito de criança, para um futuro-mais-que-perfeito...! E continua seu texto revelando pontos extremos e pensamentos opostos, quando relaciona sua alegria ao boiar nas águas, enquanto as margaridas lavadeiras lavavam a dor, assim, fica claro que nessa passagem, satisfação e descontentamento caminham juntos. Em seu texto, quase lamento, o compositor permanece na dúvida existencial, de crescer e se tornar adulto, enfrentar o medo do mundo, com sua esperança perdida. Nesse hiato, seu refúgio para seguir em frente e criar coragem de retirar as pedras do meio do caminho, foi encontrado ao refletir sobre a difícil vida e destemida coragem das mulheres lavadeiras, margaridas, severinas, joanas e marias; enfim...! buscou persistência e resiliência nas despretensiosas deusas do igarapé das mulheres.

 

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