FAMÍLIA NA
SALA
As gerações mais
novas talvez não saibam, mas antes do advento da televisão e principalmente
depois do jantar, as famílias sempre se reuniam na sala da casa para poder
colocar os assuntos em dia, enquanto as crianças brincavam no terreiro à
frente. Costume que praticamente anda esquecido na atualidade. Era uma época em
que apenas o rádio existia e quando não, os circos (famílias nômades) que
passavam de cidade em cidade. Além da roda de conversa com a própria família,
ainda existia a roda de conversa com os vizinhos.
As famílias
também se reuniam para discutir o espetáculo circense e falar sobre o palhaço e
ainda assuntos sobre namoros e casamentos dos filhos, que era uma preocupação
latente. De toda forma, também havia a roda de conversa sobre a novela
transmitida pelo rádio. Numa família de agricultores havia a noitada de
conversas enquanto se amarrava os molhos de feijão para vender na feira da
cidade.
“Família na Sala”
é um nome bastante sugestivo que meu amigo e escritor Almeida Júnior escolheu
para seu livro. Obra que ele inicia com a chegada da filha no voo da madrugada,
que há muito tempo não havia visto sua família. Aliás, madrugada que não acabou
em função de tantos temas e assuntos que tinham para conversar até o amanhecer
do dia, que se complementou com o café da manhã. Só este fato já indica os
sucessivos assuntos que virão um após o outro até finalizar sua obra.
Por sua vez,
quando sempre longe de casa, a filha comumente se alimentava com uma simples
lembrança que era a da sua família reunida na sala de casa. Distante dos seus
familiares esta lembrança era o suficiente para acalmar seu coração na
esperança por dias melhores. Isto nos leva a pensar o quanto os pais e a
família como um todo, são extremamente importantes embora os filhos só
apercebam esta relação quando iniciam sua vida e sua independência econômica e
social. Geralmente é nessa fase que os filhos começam a levar em consideração o
que os pais e a família sempre fizera por eles.
E é numa dessas
passagens do seu livro que Almeida Júnior tenta explicar metaforicamente ao
leitor, esta relação perceptiva existente na família, mas que transparece
cotidiano, vulgar, comum e trivial para os menos desavisados: “Mas as grades deixavam ver o gramado e o jardim cheio de flores, e os postes que
acendiam a noite” (p.27).
Sabe-se que muitos jovens se rebelam contra seus pais e fogem de casa para
tentar uma nova vida, e é nessa ocasião que muitos deles têm a oportunidade de
refletir sobre si mesmo e sobre sua própria família, analisando o valor que ela
tem. Sem a maturidade necessária para enfrentar o mundo, em muitos casos vários
deles retornam para a casa dos pais, enquanto que outros acabam sua vida com o
uso de entorpecentes. Em outras passagens da obra o autor também faz uso da
figura de linguagem quando escreve: “A
Lua vestia-se como se fosse para a noite
de núpcias com um véu, um halo” (p.43),
e ainda: “O Sol nascente, também
sonolento, lembrou-me o tempo” (p.44).
A partir do ato
da escrita, nesta coletânea de contos o autor também nos leva a imaginar como
se estivéssemos num vernissage de um artista visual, quando assim inicia seu
capítulo metamorfose: “Navios mercantes e pequenos barcos flutuavam
tranquilos, criando a sensação de uma imagem congelada em um cartão postal” (p.31).
Por outro lado,
faz uso da criatividade do teatro na tentativa de melhor se aproximar do
leitor, quando busca identificar e caracterizar seu personagem de forma precisa
para que o próprio leitor possa julgar o desenrolar da trama. Ao explanar sobre
seu personagem diz ele: “Um homem forte,
calçando chinelos de couro cru, calças largas tipo jeans com a barra enrolada
até perto dos joelhos, camisa social com gola, semiaberta no peito e mangas enroladas acima dos cotovelos” (p.32). Aqui o autor busca a partir de
suas palavras, motivar e facilitar o imaginário do leitor, para que ele
(leitor), possa fluir na compreensão do personagem e nas características gerais
do texto.
Como se pode
observar, Almeida Júnior sabe muito bem utilizar fatores diversos para
desenvolver sua escrita e sua prosa. Ele transita por várias esferas da arte
para poder diversificar o desenrolar de seu texto, portanto é um autor
astucioso e audacioso. Aliás, é bom frisar que entre outras ele já publicou: “Antologia Experimental”; “Ensaio Geral”;
e “Horas vivas”. Isto implica dizer
que um autor sempre está em constante crescimento, e Almeida Júnior se insere
nesse rol.
Estou escrevendo
uma obra, na qual enfoco minhas reminiscências quando criança no sítio do meu
avô, só quem viveu momentos assim sabe o que significa a natureza e a
simplicidade das pessoas. Almeida Júnior nos remete a momentos semelhantes
quando focaliza a seguinte passagem: “...
tratou de anotar o nome de tudo e de todos; das árvores, dos marrecos, das
galinhas, dos vizinhos, dos filhos dos vizinhos, das vacas, dos cabritos, das
formigas, dos cavalos, dos pássaros, das histórias, dos duendes, dos peixes,
dos rios, dos cheiros, da brisa do ar” (p.75).
Para finalizar,
ainda nesta página há uma passagem muito importante que serve de sobreaviso
para qualquer cidadão que vive em sociedade: “Extinguir-se do mundo é correr o risco de desaparecer da lembrança da
história”. Parabenizo o autor por mais esta publicação e aqui deixo o meu
recado: para quem desejar uma boa leitura, não esqueça de ler “FAMÍLIA NA SALA”
de Almeida Júnior.