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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

FAMÍLIA NA SALA

     As gerações mais novas talvez não saibam, mas antes do advento da televisão e principalmente depois do jantar, as famílias sempre se reuniam na sala da casa para poder colocar os assuntos em dia, enquanto as crianças brincavam no terreiro à frente. Costume que praticamente anda esquecido na atualidade. Era uma época em que apenas o rádio existia e quando não, os circos (famílias nômades) que passavam de cidade em cidade. Além da roda de conversa com a própria família, ainda existia a roda de conversa com os vizinhos.
     As famílias também se reuniam para discutir o espetáculo circense e falar sobre o palhaço e ainda assuntos sobre namoros e casamentos dos filhos, que era uma preocupação latente. De toda forma, também havia a roda de conversa sobre a novela transmitida pelo rádio. Numa família de agricultores havia a noitada de conversas enquanto se amarrava os molhos de feijão para vender na feira da cidade.
     “Família na Sala” é um nome bastante sugestivo que meu amigo e escritor Almeida Júnior escolheu para seu livro. Obra que ele inicia com a chegada da filha no voo da madrugada, que há muito tempo não havia visto sua família. Aliás, madrugada que não acabou em função de tantos temas e assuntos que tinham para conversar até o amanhecer do dia, que se complementou com o café da manhã. Só este fato já indica os sucessivos assuntos que virão um após o outro até finalizar sua obra.
     Por sua vez, quando sempre longe de casa, a filha comumente se alimentava com uma simples lembrança que era a da sua família reunida na sala de casa. Distante dos seus familiares esta lembrança era o suficiente para acalmar seu coração na esperança por dias melhores. Isto nos leva a pensar o quanto os pais e a família como um todo, são extremamente importantes embora os filhos só apercebam esta relação quando iniciam sua vida e sua independência econômica e social. Geralmente é nessa fase que os filhos começam a levar em consideração o que os pais e a família sempre fizera por eles.
     E é numa dessas passagens do seu livro que Almeida Júnior tenta explicar metaforicamente ao leitor, esta relação perceptiva existente na família, mas que transparece cotidiano, vulgar, comum e trivial para os menos desavisados: “Mas as grades deixavam ver o gramado e o jardim cheio de flores, e os postes que acendiam a noite” (p.27).
     Sabe-se que muitos jovens se rebelam contra seus pais e fogem de casa para tentar uma nova vida, e é nessa ocasião que muitos deles têm a oportunidade de refletir sobre si mesmo e sobre sua própria família, analisando o valor que ela tem. Sem a maturidade necessária para enfrentar o mundo, em muitos casos vários deles retornam para a casa dos pais, enquanto que outros acabam sua vida com o uso de entorpecentes. Em outras passagens da obra o autor também faz uso da figura de linguagem quando escreve: “A Lua vestia-se como se fosse para a noite de núpcias com um véu, um halo” (p.43), e ainda: “O Sol nascente, também sonolento, lembrou-me o tempo” (p.44).
     A partir do ato da escrita, nesta coletânea de contos o autor também nos leva a imaginar como se estivéssemos num vernissage de um artista visual, quando assim inicia seu capítulo metamorfose: “Navios mercantes e pequenos barcos flutuavam tranquilos, criando a sensação de uma imagem congelada em um cartão postal” (p.31).
     Por outro lado, faz uso da criatividade do teatro na tentativa de melhor se aproximar do leitor, quando busca identificar e caracterizar seu personagem de forma precisa para que o próprio leitor possa julgar o desenrolar da trama. Ao explanar sobre seu personagem diz ele: “Um homem forte, calçando chinelos de couro cru, calças largas tipo jeans com a barra enrolada até perto dos joelhos, camisa social com gola, semiaberta no peito e mangas enroladas acima dos cotovelos” (p.32). Aqui o autor busca a partir de suas palavras, motivar e facilitar o imaginário do leitor, para que ele (leitor), possa fluir na compreensão do personagem e nas características gerais do texto.
     Como se pode observar, Almeida Júnior sabe muito bem utilizar fatores diversos para desenvolver sua escrita e sua prosa. Ele transita por várias esferas da arte para poder diversificar o desenrolar de seu texto, portanto é um autor astucioso e audacioso. Aliás, é bom frisar que entre outras ele já publicou: “Antologia Experimental”; “Ensaio Geral”; e “Horas vivas”. Isto implica dizer que um autor sempre está em constante crescimento, e Almeida Júnior se insere nesse rol.
     Estou escrevendo uma obra, na qual enfoco minhas reminiscências quando criança no sítio do meu avô, só quem viveu momentos assim sabe o que significa a natureza e a simplicidade das pessoas. Almeida Júnior nos remete a momentos semelhantes quando focaliza a seguinte passagem: “... tratou de anotar o nome de tudo e de todos; das árvores, dos marrecos, das galinhas, dos vizinhos, dos filhos dos vizinhos, das vacas, dos cabritos, das formigas, dos cavalos, dos pássaros, das histórias, dos duendes, dos peixes, dos rios, dos cheiros, da brisa do ar” (p.75).

     Para finalizar, ainda nesta página há uma passagem muito importante que serve de sobreaviso para qualquer cidadão que vive em sociedade: “Extinguir-se do mundo é correr o risco de desaparecer da lembrança da história”. Parabenizo o autor por mais esta publicação e aqui deixo o meu recado: para quem desejar uma boa leitura, não esqueça de ler “FAMÍLIA NA SALA” de Almeida Júnior.